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Artigo - 14 de maio de 2020

Responsabilidade exclusiva do substituto tributário quando efetuada a retenção

O Município do Salvador, por conveniência da fiscalização dos seus tributos, instituiu, através do art. 99 e seguintes da Lei Municipal n. 7.186/2006, o regime jurídico da substituição tributária, atribuindo aos tomadores de serviço (qualificados como substitutos tributários) o dever de proceder à retenção e ao recolhimento do ISS incidente sobre os serviços tomados.

A doutrina especializada[1] elenca três importantes motivos que justificam a adoção do regime da substituição tributária:

  • dificuldade em fiscalizar contribuintes extremamente pulverizados;
  • necessidade de evitar, mediante a concentração da fiscalização, a evasão fiscal ilícita;
  • e medida indicada para agilizar a arrecadação e, consequentemente, acelerar a disponibilidade dos recursos.

Não há dúvida sobre a conveniência de concentrar a fiscalização do ISS sobre os tomadores de serviço, numericamente inferiores aos “pulverizados” prestadores.

Assim, por razões de praticidade, comodidade na arrecadação, garantia do crédito e proteção contra a evasão, o legislador municipal elegeu o tomador do serviço como responsável pelo crédito tributário do ISS“em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo”[2], isto é, do prestador de serviço.

Impôs-se ao tomador de serviço o dever exclusivo de proceder à retenção e ao recolhimento do ISS incidente sobre os serviços tomados, afastando-se, por conseguinte, a responsabilidade tributária do prestador.

Como adverte José Eduardo Soares de Melo: “Na substituição – num plano pré-jurídico – o legislador afasta, por completo, o verdadeiro contribuinte, que realiza o fato imponível, prevendo a lei – desde logo – o encargo da obrigação a uma outra pessoa (substituto), que fica compelida a pagar a dívida própria, eis que a norma não contempla dívida de terceiro (substituído)”[3].

No mesmo sentido é a lição de Sacha Calmon Navarro Coêlho: “O que a doutrina chama de substituto é na realidade o único contribuinte do tributo (o fenômeno da ‘substituição’ começa em momento pré-jurídico, o da escolha pelo legislador do obrigado legal, em substituição ao que demonstra capacidade contributiva, por razões de eficácia e comodidade)”[4].

Portanto, diante da opção política do Município do Salvador, é do tomador – e não do prestador de serviço – o dever exclusivo de recolher o ISS.

Ressalte-se que, a despeito da faculdade conferida aos municípios pelo art. 6° da Lei Complementar n. 116/2003, de, mediante lei, “atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”, o legislador soteropolitano optou por atribuir ao prestador de serviço a responsabilidade supletiva pela obrigação tributária de pagar o ISS apenas e tão somente “quando os tomadores indicados nos incisos I, II, VI, XI, XV, XVII, XVIII, XX, XXII e XXVIII, do art. 99 não procederam à retenção do imposto respectivo”[5].

No ordenamento jurídico do Município do Salvador, destarte, a regra é que o tomador de serviço se responsabiliza exclusivamente pelo recolhimento do ISS incidente sobre os serviços que lhe são prestados.

Excepcionalmente, pode o prestador de serviço ser responsabilizado, de forma supletiva (subsidiária), pelo pagamento do ISS, desde que preenchidos, conjuntamente, os dois pressupostos estipulados pelo art. 101 do CTRMS:

  • Tomador do serviço enquadrado em algum dos incisos I (as pessoas jurídicas beneficiadas por imunidade tributária), II (as entidades ou órgãos da administração direta, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista do poder público federal, estadual e municipal), VI(os condomínios comerciais e residenciais), XI (a pessoa jurídica tomadora ou intermediária dos serviços descritos nos subitens 3.04, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.11, 7.12, 7.14, 7.15, 7.17, 11.02, 11.04, 16.01, 17.05, 17.09, e no item 20, da Lista de Serviços anexa, observado, em relação ao item 20, o disposto no § 1º do art. 85 do CTRMS), XV (as empresas administradoras de consórcios), XVII (os shopping centers e centros comerciais acima de 30 lojas), XVIII (as operadoras de cartões de crédito) , XX (empresas de previdência privada), XXII (as empresas que explorem serviços de planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres, ou outros planos que se cumpram através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano, mediante indicação do beneficiário) e XXVIII (as companhias de aviação), do art. 99 do CTRMS;
  • e Ausência de retenção do ISS pelo tomador de serviço.

A regra de responsabilidade exclusiva do tomador do serviço pelo recolhimento do ISS é também excepcionada pela norma veiculada pelo art. 102 do CTRMS, que estende, supletivamente, a obrigação tributária ao prestador do serviço que der causa à falta de retenção do imposto ou retenção com insuficiência, quando omitir ou prestar declarações falsas, falsificar ou alterar quaisquer documentos relativos à operação tributável, estiver amparado por liminar em processo judicial que impeça a retenção do imposto na fonte, ou induzir, de alguma outra forma, o substituto tributário, a não retenção total ou parcial do tributo.

Ausente qualquer uma das hipóteses elencadas pelos art. 101 e 102 do CTRMS, não há de se cogitar de responsabilidade supletiva (subsidiária) do prestador de serviço.

Se os tomadores de serviço procedem à retenção do ISS, não se pode sequer pressupor a responsabilidade supletiva (subsidiária) da prestadora de serviço, não apenas porque ausente o segundo requisito estipulado pelo art. 101 do CTRMS, mas especialmente porque exigir o tributo de quem já fora onerado pela retenção consubstanciaria induvidosa afronta à capacidade contributiva da prestadora de serviço, incorrendo em verdadeiro confisco.

Promovida a retenção, compete à Administração Tributária do Município do Salvador fiscalizar se o ISS retido foi também recolhido pelo tomador de serviço, descabendo qualquer tentativa de imputação ao prestador do dever de pagar o imposto.

Reitere-se que a atribuição ao tomador de serviço do dever de recolher o ISS foi opção política do município soteropolitano.

Enfim, não se pode penalizar o prestador de serviços se o tomador retém e não recolhe ou recolhe o imposto para outros municípios.

Oportuno invocar a posição judicial consagrada pelo Superior Tribunal de Justiça, de que “existindo a obrigação tributária, é evidente que, uma vez acolhida a utilização/aplicação, na prática, da substituição tributária mencionada – vista como uma modalidade de alteração do sujeito passivo – tem-se que quem sofre a retenção (Demandante) não perde a condição de contribuinte, no entanto, não mais lhe deve ser imputada a tarefa de recolher o imposto”[6].

Ademais, se os tomadores dos serviços (enquadrados em um dos incisos do art. 99, elencados pelo art. 101 do CTRMS) não efetuassem a retenção do ISS, a responsabilidade tributária da prestadora seria supletiva, ou seja, subsidiária.

Tratando-se de responsabilidade tributária supletiva, impor-se-ia sempre – antes de exigir o tributo diretamente do prestador responsável subsidiário – fiscalizar e cobrar o imposto do substituto tributário.

Apenas se e quando configurado o inadimplemento do substituto tributário, poderia o fisco municipal (preenchidos, por óbvio, os requisitos do art. 101 do CTRMS) exigir o ISS – supletivamente, subsidiariamente – do prestador de serviço.

Absolutamente ilegítimo, portanto, que a Administração Tributária do Município do Salvador se volte exclusivamente contra a prestadora de serviços sem realizar qualquer fiscalização dos substitutos tributários, primeiros e, em regra, únicos responsáveis pelo recolhimento do ISS em território soteropolitano.

 

[1] LUÍS CESAR SOUZA DE QUEIROZ, Sujeição Passiva Tributária, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1998, p. 199.

[2] ALFREDO AUGUSTO BECKER, Teoria Geral do Direito Tributário, São Paulo, Saraiva, 1972, pp. 503 e segs.

[3] JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, ICMS, Dialética, São Paulo, 2005, p.167.

[4] SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Curso de Direito Tributário Brasileiro,

Editora Forense, 4ª edição, Rio de Janeiro, 1999, p. 604.

[5] Art. 101 da Lei Municipal n. 7.186/2006 (Código Tributário e de Rendas do Município do Salvador).

[6] STJ, Agravo de Instrumento 1.359.783 – RN, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe: 07/12/2010.

Marcos Pires

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