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Artigo - 29 de maio de 2020

Aspectos Tributários da Colaboração Premiada e do Acordo de Leniência

A devolução da renda ilegitimamente auferida pelo infrator após colaboração premiada e acordo de leniência afasta a pretensão arrecadatória do fisco federal.

 

A tributação do ato ilícito sempre foi objeto de sérias reflexões da doutrina brasileira, debatendo-se a legitimidade e o alcance da regra veiculada pelo art. 118, inciso I, do Código Tributário Nacional (“A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos”).

Com a multiplicação de colaborações (ou delações) premiadas e acordos de leniência, o tema acerca dos reflexos tributários da conduta ilegal volta a despertar grande interesse e a provocar intensa discussão, especialmente quanto à exigência tributária sobre o produto ou sobre o proveito das infrações penais do delator ou do colaborador, parcial ou integralmente recuperados.

Assim, impende definir a repercussão de tais negócios jurídicos e, mais especificamente, da recuperação parcial ou total do resultado do ilícito sobre o fenômeno da incidência tributária e sobre a relação jurídica tributária.

A regra disposta pelo artigo 118, inciso I, do CTN (que consagra no ordenamento jurídico brasileiro o princípio – ou a regra – do non-olet) admite a abstração da “validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros”, não estabelecendo, porém, a tributação irrestrita do ato ilícito, tendo em vista que não se pode ignorar a restituição do produto do ilícito ou de qualquer bem ou valor que tenha decorrido da conduta delituosa.

A colaboração premiada e o acordo de leniência são importantes meios de prova para a persecução penal e para a apuração de improbidade administrativa, revelando-se, especialmente nos últimos anos, a sua induvidosa utilidade para a identificação de organizações criminosas e de suas condutas ilícitas, além da recuperação do produto ou do proveito das infrações cometidas.

A aplicação da regra do non olet, impondo a tributação mesmo quando o colaborador devolver o produto do ilícito, ofende o princípio da segurança jurídica e o princípio da boa-fé (também assegurados àqueles que cometem atos ilícitos), afrontando também os princípios da capacidade contributiva e do não-confisco.

Decerto, ilegítima é a pretensão tributária sobre riqueza não mais disponível para o infrator-colaborador em virtude de acordo celebrado com o Poder Público.

O ordenamento jurídico brasileiro deve contemplar mecanismos normativos que viabilizem a recuperação integral do produto ou do proveito da conduta ilícita, não devendo o Estado se contentar com a exigência de parcela (tributo) dessa riqueza maculada.

Ao contrário, cobrar tributo sobre a riqueza ilícita devolvida pelo infrator-colaborador pode servir como desestímulo para a celebração do acordo de leniência ou da colaboração premiada, ao submetê-lo a obrigações outras não estipuladas na transação.

Assim, muito embora se entenda que o sistema normativo atual já afasta a tributação sobre o ilícito cujo proveito econômico foi integralmente recuperado, convêm o advento de norma legal específica e expressa afastando a pretensão fiscal sobre o produto da conduta ilícita recuperado pelo Poder Público, assegurando-se, destarte, mais segurança e estabilidade para negócios jurídicos tão relevantes para a sociedade como a delação premiada e o acordo de leniência.

Marcos Pires

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