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Artigo - 19 de julho de 2020

IRPF: a Receita pode reter a restituição do contribuinte que possui débitos parcelados?

É ilegal a compensação de ofício de débitos parcelados com o valor da restituição de imposto de renda do contribuinte pessoa física.

 

Anualmente, a maioria das pessoas físicas residentes no Brasil estão obrigadas a apresentar a Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF) à Receita Federal do Brasil, sob pena de multa e outras restrições.

Com a declaração, apura-se o montante do imposto de renda efetivamente devido pelo contribuinte no ano-calendário, após as deduções autorizadas em lei. No final da apuração, pode ser que contribuinte e Fisco estejam quites, não havendo nenhum valor a restituir ou pagar.

Comumente, porém, ou o contribuinte terá direito à restituição do imposto, caso tenham sido retidos valores de IRPF acima da quantia por ele devida, ou terá que pagar ao Fisco o montante do tributo faltante naquele período.

Se o contribuinte é o credor, antes de realizar a restituição, a Receita Federal analisa se o contribuinte possui débitos com o Fisco Federal. Se houver, ocorrerá a compensação destes valores com o crédito do contribuinte (restituição), liberando-se ao interessado o saldo remanescente. Essa compensação, inclusive, é realizada de ofício, independente da vontade do contribuinte, conforme prevê o art. 7º[1] do Decreto-Lei n. 2.287/86:

Não é todo e qualquer débito que pode ser compensado de ofício com o montante do crédito de restituição de imposto de renda do contribuinte. Somente os débitos exigíveis devem ser compensados independentemente da vontade do devedor, sendo absolutamente incoerente e sem previsão legal a compensação, por exemplo, de débitos tributários parcelados, isto é, com exigibilidade suspensa, nos termos do art. 151, VI, do CTN.

Entretanto, com base na Instrução Normativa n. 1.717/2017 – que não é lei em sentido formal e material –, a Receita Federal considera que o valor da restituição do contribuinte deve sim ser utilizado em compensação de ofício para quitar ou amortizar seus débitos, mesmo que regularmente parcelados[2].

Ora, o Decreto-Lei n. 2.287/86 estabelece tão somente que o contribuinte que tem direito à restituição ou ressarcimento de tributos e possui débito com a Receita Federal do Brasil terá seu crédito compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito.

A previsão de que o valor da restituição ou do ressarcimento deve ser também utilizado para compensação de ofício em relação aos débitos parcelados, é exclusivamente veiculada em ato infralegal da Receita Federal do Brasil.

A restrição efetuada por instrução normativa traduz-se em ilegítima inovação no ordenamento jurídico, na medida em que o Decreto-Lei em momento algum indicou que débitos do contribuinte com exigibilidade suspensa, quer garantidos ou não, deveriam também ser compensados de ofício.

O Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2011, apreciou matéria semelhante no julgamento do REsp n. 1.213.082/PR, considerando na ocasião ilegal a retenção, pelo Fisco, do crédito reconhecido em favor de contribuinte que se opôs à compensação de ofício com débitos que se encontravam suspensos em razão de parcelamento[3].

Quase dez anos depois do entendimento consolidado pelo STJ em julgamento de recurso representativo da controvérsia, a Receita Federal do Brasil permanece impondo a descabida restrição aos contribuintes, que apenas no momento de receber sua restituição de IRPF são surpreendidos com a notícia de que o montante não será creditado em virtude da existência de parcelamento em curso.

É possível ao contribuinte, diante de tal ilegítima exigência, opor-se administrativamente à compensação de ofício, nos termos do art. 89, §4º, da IN RFB 1.717/2017[4]. Nessa situação, contudo, “a unidade da RFB competente para efetuar a compensação reterá o valor da restituição ou do ressarcimento até que o débito seja liquidado”, sendo o procedimento, na prática, inútil para o contribuinte. Ele terá de aguardar pacientemente até o final do parcelamento para receber sua restituição.

Por essa razão, diante de qualquer arbítrio da Receita Federal nesse sentido, recomenda-se de logo a propositura de ação judicial para afastar o entendimento ilegal do Fisco e viabilizar, de imediato, a restituição do imposto de renda reconhecido ao contribuinte pessoa física.

 

 

[1] Art. 7o A Receita Federal do Brasil, antes de proceder à restituição ou ao ressarcimento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à Fazenda Nacional.

§1o Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito.

§2o Existindo, nos termos da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966, débito em nome do contribuinte, em relação às contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, ou às contribuições instituídas a título de substituição e em relação à Dívida Ativa do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito.

§3o Ato conjunto dos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social estabelecerá as normas e procedimentos necessários à aplicação do disposto neste artigo.

[2] IN RFB 1.717/2017: Art. 89. A restituição e o ressarcimento de tributos administrados pela RFB ou a restituição de pagamentos efetuados mediante Darf ou GPS cuja receita não seja administrada pela RFB será efetuada depois de verificada a ausência de débitos em nome do sujeito passivo credor perante a Fazenda Nacional.

§1º Existindo débito, ainda que consolidado em qualquer modalidade de parcelamento, inclusive de débito já encaminhado para inscrição em Dívida Ativa da União, de natureza tributária ou não, o valor da restituição ou do ressarcimento deverá ser utilizado para quitá-lo, mediante compensação em procedimento de ofício.

[3] PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, DO CPC). ART. 535, DO CPC, AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. COMPENSAÇÃO DE OFÍCIO PREVISTA NO ART. 73, DA LEI N. 9.430/96 E NO ART. 7º, DO DECRETO-LEI N. 2.287/86. CONCORDÂNCIA TÁCITA E RETENÇÃO DE VALOR A SER RESTITUÍDO OU RESSARCIDO PELA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. LEGALIDADE DO ART. 6º E PARÁGRAFOS DO DECRETO N. 2.138/97. ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO APENAS QUANDO O CRÉDITO TRIBUTÁRIO A SER LIQUIDADO SE ENCONTRAR COM EXIGIBILIDADE SUSPENSA (ART. 151, DO CTN). […] 2. O art. 6º e parágrafos, do Decreto n. 2.138/97, bem como as instruções normativas da Secretaria da Receita Federal que regulamentam a compensação de ofício no âmbito da Administração Tributária Federal (arts. 6º, 8º e 12, da IN SRF 21/1997; art. 24, da IN SRF 210/2002; art. 34, da IN SRF 460/2004; art. 34, da IN SRF 600/2005; e art. 49, da IN SRF 900/2008), extrapolaram o art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/86, tanto em sua redação original quanto na redação atual dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005, somente no que diz respeito à imposição da compensação de ofício aos débitos do sujeito passivo que se encontram com exigibilidade suspensa, na forma do art. 151, do CTN (v.g. débitos inclusos no REFIS, PAES, PAEX, etc.). Fora dos casos previstos no art. 151, do CTN, a compensação de ofício é ato vinculado da Fazenda Pública Federal a que deve se submeter o sujeito passivo, inclusive sendo lícitos os procedimentos de concordância tácita e retenção previstos nos §§ 1º e 3º, do art. 6º, do Decreto n. 2.138/97. Precedentes: […] 4. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008. (STJ – REsp 1213082/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/08/2011, DJe 18/08/2011)

[4] Art. 89. […] § 4º Na hipótese de o sujeito passivo discordar da compensação de ofício, a unidade da RFB competente para efetuar a compensação reterá o valor da restituição ou do ressarcimento até que o débito seja liquidado.

Monya Pinheiro

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