Médicos residentes têm direito a auxílio moradia e restituição dos valores não recebidos nos últimos 5 (cinco) anos
De acordo com o art. 1º da Lei nº 6.932/81, que dispõe sobre as atividades do médico residente, a residência médica é uma modalidade de pós-graduação, destinada a médicos, sob a forma de curso de especialização.
Ao médico residente é garantido o direito à moradia custeado pela instituição de saúde responsável pelo programa de residência médica, conforme estabelece o art. 4º da Lei nº 6.932/81, com redação conferida pela Lei nº 12.514/2011, o qual prevê:
Art. 4º Ao médico-residente é assegurado bolsa no valor de R$ 2.384,82 (dois mil, trezentos e oitenta e quatro reais e oitenta e dois centavos), em regime especial de treinamento em serviço de 60 (sessenta) horas semanais.
§ 5º A instituição de saúde responsável por programas de residência médica oferecerá ao médico-residente, durante todo o período de residência:
III – moradia, conforme estabelecido em regulamento.
§ 6º O valor da bolsa do médico-residente poderá ser objeto de revisão anual.
Entretanto, apesar de ser um direito legalmente previsto, é frequentemente desrespeitado, usualmente com fundamento na falta de regulamentação.
Em que pese a referida falta de regulamentação, nada impede que o judiciário intervenha, diante da omissão legislativa, com vistas a garantir o direito dos médicos residentes, conforme entendimento já consolidado no Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. MÉDICOS-RESIDENTES. DIREITO A ALIMENTAÇÃO E ALOJAMENTO/MORADIA. INÉRCIA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO EM PECÚNIA. DIVERGÊNCIA QUE NÃO SUBSISTE. AUSÊNCIA DE CABIMENTO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. SÚMULA 168 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
- O art. 4o. da Lei 6.932/81 assegura que as instituição de saúde responsáveis por programas de residência médica tem o dever legal de oferecer aos residentes alimentação e moradia no decorrer do período de residência. Assim existindo dispositivo legal peremptório acerca da obrigatoriedade no fornecimento de alojamento e alimentação, não pode tal vantagem submeter-se exclusivamente à discricionariedade administrativa, permitindo a intervenção do Poder Judiciário a partir do momento em que a Administração opta pela inércia não autorizada legalmente.
- Ancorada nesses princípios, esta Corte reformou sua orientação jurisprudencial consolidando a orientação de que a simples inexistência de previsão legal para conversão de auxílios, que deveriam ser fornecidos in natura, em pecúnia não é suficiente para obstaculizar o pleito recursal. Precedente: REsp. 1339798/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2T, DJe 07.03.2013.
- Se não mais subsiste a alegada divergência jurisprudencial, revelam incabíveis os Embargos de Divergência, a teor da Súmula 168 do STJ, segundo a qual não cabem Embargos de Divergência quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado.
- Agravo Regimental do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL desprovido. (AgRg nos EREsp n. 813.408/RS, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 14/10/2015, DJe de 22/10/2015.)
O entendimento do STJ é de que a omissão legislativa, caracterizada pela ausência de regulamentação, não isenta a instituição de saúde responsável pelo programa de residência médica, de garantir ao médico residente o seu direito à moradia, havendo a possibilidade de conversão em pecúnia. Além disso, permite que o Poder Judiciário intervenha e fixe um valor razoável a título de auxílio-moradia, sem que isso viole o princípio da separação dos poderes.
Nesse contexto, em relação ao valor do auxílio moradia, a jurisprudência pátria considera 30% (trinta por cento) do valor da bolsa-auxílio paga ao médico residente, um valor razoável a ser pago pela instituição de saúde, inclusive com o dever de indenizar o médico residente pelos últimos 5 (cinco) anos que não tenha recebido o auxílio moradia, conforme ementa abaixo:
EMENTA ADMINISTRATIVO. AUXÍLIO MORADIA. MÉDICO RESIDENTE.LEI Nº 12.514/2011. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONVERSÃO EM PECÚNIA. CARÁTER PRECÁRIO. ADICIONAL DE COMPENSAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. 1. Os médicos-residentes, mesmo após a vigência da Lei n. 10.405/2002, têm direito à alimentação e alojamento no decorrer do período da residência, sendo que, diante do descumprimento desta obrigação de fazer pela parte ré, deve ser convertida em pecúnia mediante fixação de indenização, por arbitramento. 2. A afirmação da parte ré no sentido de que oferece locais de descanso durante o período em que os residentes estão prestando as atividades estritas do programa de residência não é suficiente para afastar a obrigação, na medida em que tal disponibilidade não tem o caráter de moradia, mas sim de garantia de “condições adequadas para repouso e higiene pessoal”, previstas no art. 4º, § 5º, I, da Lei n. 6.932/81, na redação vigente à época. 3. O valor da indenização a ser fixado em casos como este demanda a análise de elementos fático-probatórios a fim de garantir ‘resultado prático equivalente’ ao auxílio devido. 4. A sentença merece reforma para julgar procedente o pedido de pagamento de auxílio-moradia no período em que a recorrente participar do programa de residência médica, fixando-se o valor mensal no percentual de 30% sobre o valor da bolsa-auxílio paga ao médico-residente. […] (TRF-4 – RECURSO CÍVEL: RS 5016065-75.2020.4.04.7100, Relator: JOANE UNFER CALDERARO, Data de Julgamento: 26/03/2021, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS).
O mesmo entendimento vem sendo aplicado pela justiça baiana, que tem garantido aos médicos residentes valores a título de restituição de auxílio moradia, não pagos no período da residência, correspondentes a 30% do valor da bolsa mensal.
Diante do exposto, temos que a jurisprudência nacional garante ao médico residente o seu direito à moradia, legalmente garantido pela Lei nº 6.932/81, permitindo que a sua moradia in natura seja convertida em pecúnia, fixando o seu valor em 30% da bolsa recebida pelo médico residente, inclusive com direito à restituição pelos valores que deixaram de ser pagos nos últimos 5 (cinco) anos.