Conteúdo

Artigo - 10 de janeiro de 2020

A (não) incidência de ISS sobre o ato não cooperativo

Não há entendimento pacífico dos tribunais sobre a incidência ou não de ISS sobre os serviços prestados pela cooperativa a terceiros não cooperados.

 

Lei n. 5.764/71, que regulamenta as atividades relativas ao sistema cooperativo, estabelece em seu art. 79 a definição legal de ato cooperativo:

Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associadosentre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associadospara a consecução dos objetivos sociais.

Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria

Sobre tais atos, que são intrínsecos à própria manutenção da cooperativa, não há a incidência de tributos, inclusive o ISS, pois não almejam o resultado lucro. A lei excluiu expressamente a relação cooperativa com terceiros não associados do contexto do ato cooperativo:

Art. 86. As cooperativas poderão fornecer bens e serviços a não associados, desde que tal faculdade atenda aos objetivos sociais e estejam de conformidade com a presente lei.

Art. 87. Os resultados das operações das cooperativas com não associados, mencionados nos artigos 85 e 86, serão levados à conta do “Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social” e serão contabilizados em separado, de molde a permitir cálculo para incidência de tributos.

Art. 111. Serão considerados como renda tributável os resultados positivos obtidos pelas cooperativas nas operações de que tratam os artigos 85, 86 e 88 desta Lei.

Na hipótese de uma pessoa física contratar uma cooperativa para a prestação de serviços, forçoso concluir, nos termos da legislação vigente, que não se trata de um ato/negócio cooperativo.

Não se tratando de um ato cooperativo, já que não praticado entre a cooperativa e seus associados, o ISS sobre o preço total do serviço, em nota fiscal única, deverá ser retido e recolhido pela tomadora dos serviços.

O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre a questão em algumas oportunidades. O julgamento do Recurso Especial n. 1.096.776/PB foi uma das ocasiões:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. ATOS COOPERADOS. ISSQN. ISENÇÃO E INCIDÊNCIA. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES PRATICADAS COM TERCEIROS. REVISÃO. REEXAME DE PROVA. INVIABILIDADE. SÚMULAS N. 7/STJ. PRECEDENTES.

[…] 2. O entendimento já consagrado nesta Corte é no sentido de que o fornecimento de serviços a terceiros não cooperados e o fornecimento de serviços de terceiros não associados não se configuram como atos cooperativos, devendo ser tributados normalmente. O aresto impugnado encontra-se em consonância com a jurisprudência deste Tribunal Superior, segundo a qual haverá incidência do ISS sobre os atos de cooperativas quando estes extrapolarem as finalidades sociais da entidade.

A instância de origem concluiu, com base no substrato fático-probatório constante dos autos, que a recorrente ao praticar ato negocial em nome próprio com terceiro, captando lucro, fugiu de seus objetivos típicos, o que caberia, portanto, a incidência do ISS. A alteração do entendimento demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, o que é vedado em face da Súmula n. 7 do STJ.Recurso especial não-provido.

(REsp 1096776/PB, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 28/09/2010)

Destarte, nos termos dos arts. 79, 86, 87 e 111 da Lei n. 5.764/71, não se tratando o serviço prestado pela cooperativa à terceiro não associado de ato cooperativo, haverá incidência de ISS sobre o valor da totalidade do serviço (uno) que foi desempenhado.

A definição legal de ato cooperativo é aquela estabelecida na Lei n. 5.764/71. Há de se reconhecer, no entanto, a ausência de entendimento pacificado na doutrina, jurisprudência e, sobretudo, entre os fiscos municipais sobre a extensão do ato cooperativo.

Não há dúvida que a prestação de serviços pela cooperativa aos seus cooperados, e vice-versa, trata-se de genuíno ato cooperativo, não havendo incidência de ISS nessa hipótese. A prestação de serviços dos mesmos cooperados à terceiros, mediante a contratação da cooperativa (pessoa jurídica), no entanto, desperta inúmeros debates doutrinários e nos tribunais.

Rigorosamente, a legislação brasileira sobre cooperativas é lacunosa, na medida em que não dispõe que os atos jurídicos celebrados pela cooperativa com terceiros, que tenha a finalidade de fomentar a consecução dos objetivos sociais e atingir os interesses dos cooperados, também são enquadrados como atos cooperativos. Ao contrário, como sinalizado acima, a Lei n. 5.764/71 afastou tal entendimento.

O estudo do tema nos manuais e nos precedentes do STJ revelam que há posicionamentos favoráveis à extensão do regramento jurídico do ato cooperativo (nesse particular, a não incidência de ISS) aos negócios praticados pela cooperativa com terceiros não associados.

Veja-se, por exemplo, a ementa do julgamento do REsp n. 1.213.479/AL, julgado à mesma época do recurso especial anteriormente citado, porém consignando entendimento oposto sobre a incidência do ISS:

TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE COOPERATIVA. ISENÇÃO. ATO COOPERATIVO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO COM TERCEIROS. ARTIGO 79 DA LEI Nº 5.764/71.

A Corte de origem considerou que os serviços médicos são prestados diretamente pelos médicos e não pela cooperativa, que apenas repassa aos associados os recursos pagos pelos planos/seguros/convênios de saúde. Nesse contexto, deve-se admitir tão somente a incidência do ISS sobre os serviços prestados pelos associados (valor fixo), consoante disposto no art. 9º, parágrafo único, do DL 406/68.

Não é possível a tributação pelo ISS sobre a atividade prestada pela cooperativa – recebimento dos valores pagos pela prestação dos serviços, posteriormente repassados aos cooperados com as deduções das despesas operacionais – quer pela absoluta ausência de tipicidade (aspecto material), já que não há, nem nunca houve, previsão de incidência do imposto sobre essa atividade em quaisquer das listas anexas até hoje elaboradas (DL 406/68, LC 56/87 ou LC 116/03); quer pela gratuidade do serviço (aspecto dimensível), que obsta a quantificação do imposto por ausência do elemento “preço”.

Recurso especial não provido.

(REsp 1213479/AL, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/11/2010, DJe 23/11/2010)

A mesma ausência de uniformidade de entendimentos verificada no Superior Tribunal de Justiça ocorre no âmbito dos fiscos municipais. Cada município – e pior, cada auditor fiscal – tem uma compreensão, geralmente mais benéfica aos cofres municipais, do que se trata ato cooperativo.

Nesse sentido, a medida mais segura para as partes envolvidas no negócio jurídico – sobretudo para o tomador de serviços que é eleito pela legislação municipal como substituto tributário –, é a adoção da interpretação extraível da lei, que dispõe que não se trata de ato cooperativo àquele praticado entre a cooperativa e terceiros.

Entretanto, evidentemente que, a fim de evitar possível bitributação para a cooperativa, o caminho mais seguro é a apresentação de consulta formal perante a Secretaria de Fazenda competente, de modo que o fisco exponha conclusivamente sua interpretação sobre a extensão do ato cooperativo naquela municipalidade, tendo em vista que a resposta à consulta formal vincula a Administração Tributária.

Monya Pinheiro

Áreas de Atuação Relacionadas

Cível

Cadastre-se e receba nosso conteúdo selecionado.