A posição da escola nas questões relativas à guarda de menor
Então surge a dúvida para o gestor educacional: a escola estaria obrigada a atender a solicitação deste pai ou desta mãe, seja por força do contrato de prestação de serviços celebrado, ou mesmo por força da decisão judicial que estabeleceu as regras do regime de guarda?
É o que se pretende esclarecer neste breve artigo.
Primeiramente, importante destacar a distinção entre os institutos jurídicos do poder familiar e do regime de guarda judicial.
O poder familiar, que investe a ambos os genitores, decorre da própria filiação, e independe da situação conjugal. O poder familiar atribui aos genitores determinados deveres e também direitos conexos a tais deveres.
Nesse sentido, por exemplo, o art. 229 da Constituição Federal estatui o dever dos pais de educar os seus filhos menores. Atrelado ao dever de educação dos pais, a legislação civil também lhes confere o direito de dirigir a educação dos filhos, independentemente da situação conjugal (art. 1.634 do Código Civil). Da mesma forma, o art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente atribui aos pais o dever de educação dos filhos.
O regime de guarda, por sua vez, é matéria diretamente relacionada à situação conjugal, situando-se, no Código Civil, logo após o capítulo referente à Dissolução da Sociedade e do Vínculo Conjugal, com a previsão de guarda unilateral ou compartilhada (art. 1.583 do Código Civil).
Em breve síntese, o direito de guarda consiste no instituto jurídico por meio do qual se atribui a uma pessoa – o guardião – um complexo de direitos e deveres a serem exercidos com o objetivo de proteger e prover as necessidades de desenvolvimento de outra que dele necessite, em virtude de lei ou decisão judicial. Sendo assim, a guarda é, ao mesmo tempo, um direito e um dever dos pais.
Independentemente do regime de guarda, contudo, e em virtude da manutenção do poder familiar, ambos os genitores preservam determinadas prerrogativas relativamente aos seus filhos. Exemplificativamente, mesmo no regime da guarda unilateral, o genitor não guardião terá o dever e o direito de lhe fiscalizar a educação e obter informações da instituição de ensino responsável pela educação e custódia do menor (art. 1.583, §3º, do Código Civil).
Em decorrência deste direito, o art. 1.584, §6º, do Código Civil, estabelece o dever das instituições de ensino em prestar informações aos genitores, independentemente do regime de guarda. Observe-se, neste ponto, que o dever que a escola tem de prestar informações aos genitores sobre a educação de seu filho menor decorre do poder familiar e possui fundamento legal, independentemente do liame negocial originado a partir do contrato de prestação de serviços educacionais.
O art. 1.589 do Código Civil, por sua vez, prevê o direito do genitor que não detenha a guarda dos filhos de fiscalizar a sua educação, bem como de visitá-lo, conforme seja acordado com o outro genitor, ou nos termos da decisão judicial.
Certo é, contudo, que o direito de visitação e de ter o menor em sua companhia será restringido nos casos de guarda unilateral, e as regras adotadas na guarda compartilhada comumente implicará na divisão do tempo em que o menor deverá estar em companhia de cada um dos genitores.
Neste contexto, surge a problemática referente à obrigatoriedade de observância, pela escola, das regras do regime de guarda adotado, e da consequente possibilidade de obstar a visitação ou retirada do menor pelo genitor não guardião.
Considerando que o regime de guarda unilateral ou compartilhada é estabelecido por meio de comando judicial, ou de acordo homologado em juízo, a análise acerca da obrigatoriedade de observância das regras do regime de guarda pela instituição de educação perpassa pela análise acerca da eficácia subjetiva – isto é, dos sujeitos submetidos aos efeitos – das decisões judiciais.
O que ocorre é que, salvo em situações excepcionais, as decisões judiciais vinculam apenas as partes envolvidas no litígio judicial, conforme infere do art. 506 do Código de Processo Civil.
Neste sentido, a decisão judicial – ou homologação judicial de acordo – que estabelece o regime de guarda produz efeitos entre as partes envolvidas no processo de dissolução do vínculo conjugal ou de guarda. Notadamente, sem que tenha havido ordem judicial dirigida à escola, esta não se obriga ao cumprimento de qualquer das regras do regime de guarda adotado, incluindo aquelas relativas à restrição de visita ou retirada do menor das dependências da escola.
Disto decorre que a mera solicitação, por parte de um dos genitores à escola, quanto à adoção de medidas de restrição de visitação ou retirada do menor pelo outro genitor – ainda que em conformidade com o estabelecido no regime de guarda adotado – não tem o condão de obrigar a instituição de educação a adotar tais medidas restritivas.
Mais do que isto, observe-se que é possível que haja alteração ou revogação do regime de guarda adotado, sendo irrazoável exigir-se da escola que verifique, a todo tempo, a manutenção dos efeitos das regras levadas ao seu conhecimento, informalmente, pelos genitores.
Desta forma, considerando que o estabelecimento escolar não é destinatário das regras do regime de guarda do menor, também não há que se falar em qualquer descumprimento de decisão judicial consistente, por exemplo, no fato de a escola permitir a visita ou retirada do menor pelo genitor não guardião.
Eventual descumprimento das regras do regime de guarda, por um dos genitores, consistente na indevida visitação ou retirada do menor do estabelecimento escolar, deverá ser objeto de comunicação ao Poder Judiciário pela parte prejudicada, estando a escola autorizada, em tais casos, a fornecer documentos que atestem o histórico de acesso de cada genitor ao menor, caso seja solicitada.
Por fim, vale pontuar que a adoção de medidas que impeçam, de modo coercitivo, o acesso de genitor ao estabelecimento de ensino, ou mesmo forcem a sua saída, tem o potencial de ocasionar transtornos à integridade psicológica e emocional do menor, além dos demais alunos que frequentam o local.
Ora, os artigos 17 e 18 do Estatuto de Criança e do Adolescente consagram, entre os direitos básicos da criança e dever de todos, o zelo pela integridade psíquica e a proteção do menor de situações potencialmente constrangedoras. Seja qual for a situação, a busca pelo diálogo e mediação se mostram mais eficazes e menos gravosos ao menor envolvido.
Sendo assim, ao nosso entender, o estabelecimento escolar não está obrigado a cumprir ou fazer cumprir as regras relativas ao regime de guarda do menor constante em decisão judicial ou acordo homologado em juízo, salvo em caso de ordem judicial específica dirigida à escola.