Adjudicação compulsória extrajudicial: possibilidade da adjudicação compulsória inversa
Aspectos gerais da adjudicação compulsória
O Código Civil dispõe em seus artigos 1.417 e 1.418 os requisitos necessários para a configuração do direito à adjudicação compulsória:
Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
Nesse sentido, tem-se que o promitente comprador adquire o direito real à aquisição do imóvel mediante promessa de compra e venda sem previsão de arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Registro de Imóveis, sendo possível o ajuizamento da adjudicação compulsória quando, após a quitação do preço pactuado, houver a recusa do promitente vendedor em realizar a outorga definitiva da escritura ao promissário comprador.
O Código Civil, portanto, considera a adjudicação compulsória como um direito passível somente ao promissário comprador, assim como de competência judicial.
Nessa seara, a Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, trouxe novos parâmetros ao instituto da adjudicação compulsória, permitindo o requerimento pela via administrativa, na esfera extrajudicial, a legitimização do vendedor ou cedente do imóvel como requerente do direito, assim como consolidando o entendimento de que o registro do instrumento de compra e venda no cartório de imóveis não é um dos requisitos essenciais ao direito da adjudicação compulsória.
A adjudicação compulsória extrajudicial
Conforme exposto, a adjudicação compulsória extrajudicial foi implementada pela Lei nº 14.382/2022, que incluiu o artigo 216-B na Lei de Registros Públicos, o qual prevê a possibilidade da regularização da propriedade do imóvel por meio do cartório de registro de imóveis, de forma meramente extrajudicial.
Além dos documentos inerentes à prova do direito, como o instrumento particular de promessa de compra e venda, cessão ou sucessão; a comprovação da negativa ou omissão da parte adversa quanto à celebração do instrumento público de transferência; e o comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), faz-se necessária a formalização de uma ata notarial lavrada pelo Tabelionato de Notas.
Na ata notarial deve constar informações específicas, quais sejam: a) a identificação do imóvel, b) o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa; c) a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade.
A Lei nº 14.382/2022 trouxe, ainda, a consolidação do entendimento de que o registro do instrumento de compra e venda no cartório de imóveis não é um dos requisitos essenciais ao direito da adjudicação compulsória, conforme parágrafo segundo do artigo 216-B.
Nessa seara, o Código de Normas do Tribunal de Justiça da Bahia, Provimento Conjunto nº CGJ/CCI 15/2023, instituiu, em seu artigo 1.005, o procedimento e principais aspectos para a formalização da adjudicação compulsória.
Válido frisar que o referido dispositivo veda a adjudicação compulsória extrajudicial quando seja inviável o estabelecimento da continuidade entre o proprietário tabular e o adjudicante, salvo se houver a apresentação de instrumentos sequenciais que evidenciem a constatação do vínculo entre eles.
Ou seja, é requisito indispensável que seja possível aferir o vínculo existente entre o proprietário do imóvel e o requerente do direito à adjudicação, não sendo válida a apresentação de instrumentos vagos, em titularidade de possíveis possuidores do imóvel, sem qualquer histórico ou ligação com o proprietário tabular do imóvel.
Outro aspecto importante, balizado pelo Código de Normas é a possibilidade do pedido de adjudicação compulsória nos casos em que o instrumento firmado pela parte preveja cláusula de arrependimento (promessa retratável). No presente caso, somente é possível o pedido de adjudicação caso o proprietário, quando notificado, se manifeste em impugnação pelo seu desejo de se retratar quando ainda vigente a referida cláusula.
Adjudicação compulsória extrajudicial inversa
A Lei nº 14.382/2022 trouxe, ainda, a legitimização do vendedor ou cedente do imóvel como requerente do direito, dispondo, de forma expressa, que o promitente vendedor e seus sucessores são legitimados a requerer administrativamente a adjudicação compulsória, instituto este denominado de “adjudicação compulsória inversa”.
Nesse contexto, a legitimidade para a adjudicação compulsória pertence a qualquer adquirente, transmitente, cedentes, cessionários ou sucessores, nos atos e negócios jurídicos que impliquem promessa de compra e venda ou promessa de permuta, bem como as relativas cessões ou promessas de cessão, sem cláusula de arrependimento.
Assim, uma vez comprovando-se ser a parte o transmitente ou cedente dos direitos relativos ao imóvel, terá este o direito de pleitear a adjudicação compulsória.
Procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial
O procedimento da adjudicação compulsória na esfera extrajudicial possui duas etapas, sendo a primeira delas no tabelionato de notas, com a lavratura da ata notarial e, na sequência, no cartório de imóveis competente, onde se protocola o pedido formal do reconhecimento ao direito da adjudicação:
a) Lavratura da Ata Notarial:
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no art. 440-C do Provimento n. 150 de 11 de setembro de 2023, passou a regulamentar o art. 216-B e os temas afetos à adjudicação compulsória extrajudicial, em especial, no que se refere à ata notarial lavrada pelo Tabelionato de Notas.
Nos termos do art. 440-F, a ata notarial deverá ser lavrada no Tabelionato de Notas escolhido pelo requerente, sendo que, caso sejam necessárias diligências no local do imóvel deve ser observada a vedação prevista no artigo 9º da Lei 8.935/1994, que dispõe que o tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação.
Em seu teor, devem constar informações essenciais à caracterização do direito à adjudicação, como a referência da matrícula ou transcrição do imóvel, com seus ônus e gravames; identificação dos atos e negócios jurídicos que dão fundamento à adjudicação compulsória; provas do adimplemento integral do preço ou obrigação firmada; demonstração do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade; assim como o valor venal atribuído ao imóvel, podendo conter imagens, documentos, depoimentos de testemunhas e declarações do requerente.
Importante pontuar que o tabelião de notas deve informar ao requerente em caso de eventual inviabilidade da adjudicação compulsória pela via extrajudicial.
b) Protocolo do pedido de adjudicação compulsória:
Ato contínuo à lavratura da ata notarial pelo tabelião de notas, o adjudicante, assistido por seu advogado, deve realizar, perante o cartório de registro de imóveis competente, o protocolo do pedido de reconhecimento da adjudicação compulsória.
Além do requerimento específico, tendo como objeto a disposição de todo o histórico, direito e pedido, devem ser juntados o documento de identificação do requerente, procuração particular, comprovante de residência, certidão de nascimento ou casamento e ata notarial.
Como indicado, um dos requisitos específicos para constituição do direito à adjudicação compulsória é a prova do inadimplemento da parte requerida, caracterizada pela não celebração do título de transmissão da propriedade.
O inadimplemento é comprovado por meio de notificação extrajudicial ao requerido, o qual pode ser entregue pelo oficial do registro de imóveis ou, por delegação, pelo oficial do registro de títulos e documentos, podendo a entrega ser feita por diligência pessoal do oficial ou até mesmo através do envio pelo correio com aviso de recebimento (A.R), através do cartório de títulos e documentos.
Importante ressaltar que a legislação exige a notificação do cônjuge ou do companheiro, nos casos em que a lei exija o seu consentimento para a validade ou eficácia do ato ou negócio jurídico.
Caso o endereço do requerido seja incerto ou desconhecido, o requerente deverá solicitar a notificação por edital. Aos casos em que o requerido tenha falecido, poderão ser notificados os seus herdeiros legais quando não se constate a existência de inventário; ou o inventariante, caso assim se tenha.
Após a notificação, com o silêncio do requerido ou anuência do mesmo, o oficial do registro de imóveis procederá ao registro do domínio em nome do promitente comprador, servindo de título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão ou o instrumento que comprove a sucessão.
Caso se tenha a impugnação da parte requerida, após a concessão da ampla defesa e do contraditório, o oficial do cartório de imóveis irá analisar e decidir. Uma vez que o oficial rejeite a impugnação, transpassado o prazo de manifestação, o oficial procederá o devido registro da adjudicação. Caso seja acolhida a impugnação, se o requerente não se insurgir contra a decisão, o processo será extinto e cancelada a prenotação. Se houver insurgência, os autos serão remetidos ao juízo da vara de registros públicos, o qual será responsável pela decisão final.
Conclusão
A adjudicação compulsória, tanto na via judicial quanto na extrajudicial, representa um importante mecanismo de proteção ao direito de propriedade.
A nova abordagem trazida pela Lei nº 14.382/2022, que institui a adjudicação compulsória extrajudicial, proporciona uma alternativa mais ágil e eficiente, permitindo que a parte prejudicada pela não outorga do título de transferência da propriedade regularize sua titularidade de forma mais rápida e simplificada.
Observa-se que a consolidação de medidas que propiciam a desjudicialização dos procedimentos reflete uma modernização necessária ao mercado imobiliário contemporâneo, que se demonstra cada vez mais célere e sedento por mudanças.