Análise PPF: Ações de Despejo em Salvador-BA
O proprietário de um imóvel alugado busca o Poder Judiciário para ver desfeita a relação locatícia e retomar a posse do seu bem através da ação de despejo. A prática revela que este pode ser o início de uma longa jornada até a efetivação do seu direito, sendo necessário perguntar: Quão difícil é conseguir um despejo em Salvador-BA?
Para obter esta resposta, analisamos 310 ações de despejo ajuizadas em Salvador-BA entre janeiro a dezembro de 2019 (longe de qualquer efeito da pandemia de COVID-19).
Inicialmente, confirmam-se duas hipóteses já imaginadas: A prevalência das ações de despejo comerciais (60%) sobre as residenciais (40%), e a inadimplência como fundamento principal do pedido de retomada do imóvel.
Tipos de contrato
A denúncia do contrato por decurso de prazo surge como segundo fundamento de despejo mais frequente, seguida do descumprimento de outras obrigações contratuais e o despejo para uso próprio. Analisando os fundamentos por tipo de locação, a proporção mantém-se praticamente a mesma, com ampla prevalência da inadimplência nos dois casos, o que permite afirmar que não há variação relevante entre as razões que levam o locador, seja comercial ou residencial, a buscar o fim do contrato.
Fundamento por tipo de locação
Razões do pedido de despejo
A obtenção do despejo já no primeiro pronunciamento judicial, na visão do locador, deveria ser algo simples e rápido, afinal, o locatário está em situação de inadimplência e precisa ser removido do imóvel.
Os números indicam, no entanto, que 77% dos pedidos de despejo liminar não foram acolhidos no primeiro pronunciamento judicial.
Entre as razões para negativa, despontam questões processuais, em especial o indeferimento do pedido de gratuidade de justiça, a ausência de documentos indispensáveis à propositura da ação ou defeitos de representação.
Razões da negativa
Como segundo fundamento relevante para a rejeição do despejo liminar está a existência de garantia no contrato de locação, com base no Art. 59, §1º IX da Lei de Locações.
Destes indicadores é possível obter duas conclusões de suma relevância. Primeiramente, é necessário maior atenção no momento anterior à propositura da ação, evitando lacunas de ordem processual, ausência de documentos relevantes, e, principalmente, a rejeição do pedido de gratuidade em razão da frágil demonstração da situação de hipossuficiência do requerente. A ação de despejo construída de maneira desatenta, extraída de modelos prontos e com documentação insuficiente possui grandes chances, como visto, de ter seu pedido liminar rejeitado. Uma nova apreciação do pedido pode ocorrer somente meses depois, longo período em que o locador terá que seguir suportando a indesejada vigência do vínculo com seu inquilino.
A segunda conclusão guarda relação com contratos de locação igualmente deficientes, por vezes elaborados a partir de modelos padrão e com previsões de garantias de pouca relevância ao locador. São estas garantias, como também observado, que tempos depois surgirão como obstáculo ao despejo liminar.
Nos 23% dos processos que tiveram o despejo liminar acolhido, constatou-se que apenas 38% das decisões autorizaram o despejo de forma direta e imediata, enquanto que em 68% o despejo ficou condicionado ao oferecimento de caução, com base no art. 59, §1º da Lei de Locações. Notou-se que poucos autores recorreram a alternativas já amplamente admitidas na jurisprudência, tais como o oferecimento do próprio imóvel objeto da lide ou do crédito locatício como caução. Tais possibilidades, se trazidas de maneira clara desde a petição inicial, poderiam conduzir a decisões mais favoráveis já em primeiro pronunciamento judicial.
Analisando a ocorrência de despejos liminares por tipo de locação (comercial e residencial), não se verificou prevalência significativa entre deferimentos e negativas, ou seja, em ambos tipos de contrato o comportamento dos juízes apresentou frequência semelhante.
Já quando analisada a ocorrência de despejo liminar por vara judicial (Salvador possui dez varas cíveis), notou-se certa uniformidade (com a média de negativas em 80% em cada vara). Como exceções, destacou-se a 7ª Vara Cível com um índice mais elevado de deferimentos, enquanto que a 10ª Vara Cível rejeitou todos os pedidos de despejo liminar no grupo de processos analisado.
Despejo liminar por Vara Cível
Vale destacar que, mesmo nas ações que tiveram o despejo deferido, foram frequentes as dificuldades na efetivação deste direito, seja pela suscitação de questões incidentais pelo réu, seja dificuldade do cartório judicial e oficiais de justiça em fazer valer a ordem (dificuldades na expedição dos mandados e, por vezes, localização do réu no imóvel). Raras ações apresentaram mandados de despejo efetivamente cumpridos.
Outro ponto observado no estudo foi o tempo médio entre a data de distribuição do processo e o primeiro pronunciamento judicial, que foi, entre todas as varas, de 29 dias. Neste ponto, nota-se relevante diferença do tempo de resposta entre as varas cíveis. O gráfico abaixo traz estes dados em ordem crescente, iniciando pela vara com menor tempo de resposta (1ª Vara Cível – seis dias) e terminando com a 6ª Vara Cível – média superior a cem dias).
Tempo de resposta por Vara
Entre os processos analisados, cerca de 13% foram encerrados através de acordo, 8% tiveram pedido de desistência e 3,55% foram extintos por outras razões. É dizer, cerca de 25% do total de processos não avançaram para uma sentença que apreciasse a lide trazida na petição inicial. Nenhum dos processos apresentou sentença de improcedência.
Tais indicadores revelam que o locador, na absoluta maioria dos casos, possui direito a reaver o imóvel através do despejo, e quase sempre com urgência, premido pela inadimplência do inquilino. Ainda assim, a ação judicial não figura como ferramenta hábil para célere efetivação deste direito, sendo necessário muita paciência e longos meses até a retomada do imóvel. Tal cenário explica o índice de desistências e acordos, indicando que as partes alcançaram, por si próprias, a solução (ainda que parcial) do conflito.
Por fim, é possível afirmar que os dados confirmam uma conclusão que já habitava o inconsciente dos advogados que acompanham este tipo de processo: As chances de reaver liminarmente um imóvel objeto de locação são baixas, e não variam de maneira relevante entre as Varas Cíveis da capital baiana. Já o tempo de tramitação do processo pode sim sofrer interferências importantes de acordo com a vara para qual o processo foi sorteado.
Para contornar tais dificuldades, a solução se inicia muito antes da fase patológica da relação locatícia: na elaboração do contrato, negociação das condições contratuais, e estabelecimento de garantias que possam de fato proteger o locador em caso de inadimplência. Instaurada a controvérsia e decidido o locador a buscar o Poder Judiciário, é necessário preparar a demanda judicial de maneira cuidadosa, utilizando os fundamentos legais e precedentes corretos para o despejo pretendido, evitando surpresas processuais que possam retardar por meses a decisão de desocupação do imóvel.
Mudanças realmente significativas neste cenário demandam atuação do Poder Legislativo, a exemplo do Projeto de Lei 3999/2020, que cria no ordenamento jurídico brasileiro o despejo extrajudicial e a consignação extrajudicial de chaves.