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Artigo - 28 de novembro de 2023

Aspectos tributários e sucessórios do recebimento de valores de planos de previdência privada pelos herdeiros: tratamento jurídico atual dos planos VGBL e PGBL

A contratação de planos de previdência privada tem se tornado cada vez mais corriqueira, como forma de garantir conforto do segurado e de sua família após o fim da atividade laboral, seja para suplementar os benefícios previdenciários ordinários, para servir de alternativa de investimento financeiro ou, ainda, como parte de planejamento sucessório da família.

Na hipótese de falecimento do titular do plano de previdência privada, muitas dúvidas surgem para os herdeiros beneficiários dos valores previstos no plano, sobretudo acerca da necessidade de tais montantes integrarem o inventário do titular falecido e as respectivas implicações tributárias. Para sanar tais dúvidas, é necessário atentar sobre o tipo de plano previdenciário contratado, pois tal informação é juridicamente relevante para a produção de efeitos tributários e sucessórios.

Os planos de previdência privada podem ser classificados como VGBL (Vida Gerador de Benefícios Livres) ou PGBL (Plano Gerador de Benefícios Livres). Ambas as modalidades se pautam na mesma premissa: após o período de captação dos recursos, os rendimentos são distribuídos por meio de parcelas durante um período ou de forma acumulada em um único pagamento.

As principais diferenças entre as duas modalidades se referem à tributação pelo imposto de renda e a sua natureza jurídica, a qual pode implicar em repercussões sucessórias e tributárias distintas para os beneficiados.

Sob o aspecto da tributação da renda, no caso do plano VGBL, o imposto incide apenas sobre os rendimentos da aplicação, excluindo-se da tributação os aportes efetuados pelo titular. Já no PGBL, há a incidência do imposto de renda sobre o valor total a ser resgatado ou recebido sob a forma de renda, isto é, são tributados os aportes mais os rendimentos da aplicação.

Em vista de tal diferenciação sobre a incidência do imposto de renda em cada modalidade de previdência privada, conforme dispõe o art. 69 da LC 109/2001[1], as contribuições vertidas para as entidades de previdência complementar destinadas ao custeio do PGBL são dedutíveis na apuração do imposto de renda até o limite de 12% (doze por cento) sobre a base de cálculo tributável. A mesma autorização não é conferida ao plano VGBL.

Dessa forma, é o aspecto tributário que leva, a priori, o segurado a optar por uma modalidade de previdência privada em relação a outra. É comum que os sujeitos que realizam a declaração completa do imposto de renda optem pelo PGBL, em virtude da possibilidade de dedução das contribuições ao custeio do plano da base de cálculo tributável pelo imposto. Já quem realiza a declaração simplificada, por não ter muitas despesas a deduzir, acaba optando pelo plano VGBL.

Superada a diferenciação dos planos VGBL e PGBL em virtude da tributação da renda, as implicações sucessórias acerca do recebimento de valores a título de plano de previdência privada pelos herdeiros, em relação à inclusão de tais valores no inventário, esbarram na caracterização da natureza jurídica de cada modelo.

É atribuído ao plano VGBL a natureza jurídica de “seguro de vida”. A Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), autarquia vinculada à União Federal responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro e previdência privada aberta, confere ao plano VGBL tal natureza securitária.  Já o PGBL é classificado como “plano de previdência complementar”, sendo atribuída a natureza jurídica de aplicação em fundo de investimento, nos termos do art. 76 da Lei 11.196/2005[2].

A relevância na definição da natureza jurídica do VGBL e do PGBL para os fins de inventário do titular falecido é a seguinte: os “seguros de vida”, conforme o art. 794 do Código Civil[3], não são considerados herança e não integram o inventário. A consequência tributária de tal circunstância sucessória é a não incidência do imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD) de competência dos Estados e Distrito Federal.

Consequentemente, uma vez que o PGBL não possui a mesma natureza securitária, mas sim de fundo de investimento, deverá ser indicado no inventário, estando o montante apontado, à primeira vista, passível de incidência do ITCMD, a depender da respectiva legislação estadual ou distrital.

Não há ainda posicionamento definitivo do Poder Judiciário sobre a distinção da natureza das duas modalidades de previdência privada. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria a partir do leading case RE 1.363.013/RJ (Tema 1214), em que se discute especificamente a incidência de ITCMD sobre os valores recebidos pelos herdeiros a título de VGBL e PGBL. Certamente, a análise irá perpassar sobre a definição da natureza jurídica de cada modalidade de previdência privada, definindo as respectivas repercussões sucessórias.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já se manifestou sobre a matéria em algumas oportunidades. A Segunda Turma do STJ decidiu no julgamento do REsp 1.961.488/RS que a VGBL tem natureza de seguro, assentando que “os valores a serem recebidos pelo beneficiário, em decorrência da morte do segurado contratante de plano VGBL, não se consideram herança, para todos os efeitos de direito, como prevê o art. 794 do CC/2002”.

Contudo, há entendimento da Quarta Turma do mesmo STJ no REsp 2.004.210/SP, no sentido de que o Plano VGBL tem natureza jurídica multifacetada, ora se assemelhando a seguro previdenciário adicional, ora se assemelhando a investimento ou aplicação financeira. Por esse motivo, a Quarta Turma entendeu que, se ficar caracterizado no caso concreto elementos de investimento no plano VGBL, o valor referente ao plano previdenciário deverá ser trazido à colação no inventário.

Quanto ao PGBL, a Terceira Turma do STJ (REsp 1.726.577/SP) entendeu que “o contrato de previdência privada aberta, antes do recebimento dos valores acumulados, tem natureza de aplicação e investimento. Por isso, se o titular vier a falecer antes de ter acesso à renda, tais valores deverão ser objeto de partilha”. Isso porque, de acordo com o referido Tribunal, no caso do PGBL a fase de constituição do patrimônio se assemelha ao investimento tradicional. Por esse motivo, tal valor deverá integrar o inventário.

Muito embora o tema ainda seja controverso no Poder Judiciário, sem o estabelecimento definitivo das implicações sucessórias e tributárias sobre o recebimento de valores em decorrência dos planos VGBL e PGBL pelos herdeiros do titular do plano, diante do panorama atual pode-se afirmar que:

Em regra, os valores recebidos pelos herdeiros especificamente ao plano VGBL não devem ser incluídos no inventário, nos termos do art. 794 do Código Civil, dada a sua natureza securitária;

Quanto ao PGBL, o entendimento vigente impõe a colação dos valores atinentes ao referido plano no inventário, podendo atrair a incidência de ITCMD a depender da previsão na respectiva legislação estadual ou distrital.

[1] LC n. 109/2001: Art. 69. As contribuições vertidas para as entidades de previdência complementar, destinadas ao custeio dos planos de benefícios de natureza previdenciária, são dedutíveis para fins de incidência de imposto sobre a renda, nos limites e nas condições fixadas em lei.

[2]Lei n. 11.196/2005: Art. 76. As entidades abertas de previdência complementar e as sociedades seguradoras poderão, a partir de 1º de janeiro de 2006, constituir fundos de investimento, com patrimônio segregado, vinculados exclusivamente a planos de previdência complementar ou a seguros de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência, estruturados na modalidade de contribuição variável, por elas comercializados e administrados.

[3] CC: Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

Rafael Fernandes

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