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Artigo - 22 de maio de 2025

Atos Registrais Eletrônicos na Incorporação Imobiliária

A incorporação imobiliária é uma atividade que historicamente exige o levantamento de uma extensa quantidade de documentos físicos ao Registro de Imóveis. Esse processo envolve a impressão de múltiplas vias, o reconhecimento de firmas e a autenticação de cópias, resultando em custos elevados e atrasos significativos ao desenvolvimento do empreendimento. Tal cenário, entretanto, vem passando por transformações com a digitalização dos procedimentos praticados nos Registros de Imóveis, que atualmente permite a realização do procedimento da incorporação integralmente por meio digital.

A iniciativa de virtualização dos atos praticados no âmbito dos Registros de Imóveis remonta à Medida Provisória nº 2.200-2/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), conferindo validade jurídica aos documentos assinados com certificados digitais emitidos por essa autoridade certificadora.

A partir de 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou grupos de trabalho voltados ao estudo e à regulamentação do registro eletrônico, culminando, em 2014, na Recomendação nº 14, que estabeleceu parâmetros para o Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (SREI), em parceria com o LSI-TEC.

Esse avanço se intensificou especialmente após as medidas restritivas impostas durante a pandemia da Covid-19, que desafiaram os cartórios a buscar soluções para garantir a continuidade das suas operações pelos meios digitais, superando as limitações do distanciamento físico. O Provimento nº 94/2020 do CNJ, editado no contexto pandêmico, possibilitou a recepção de títulos em formato eletrônico por todos os cartórios de Registro de Imóveis.

O movimento de digitalização consolidou-se com a Lei nº 14.382/2022, que instituiu o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp), plataforma cujo objetivo é unificar e simplificar os procedimentos registrais em todo o território nacional. Esse sistema permite a integração de todas as serventias, possibilitando que o cidadão, de qualquer localidade, solicite certidões ou realize protocolos eletrônicos sem a necessidade de deslocamento físico.

O Provimento nº 180/24 do CNJ tornou obrigatória a recepção de documentos eletrônicos pelos Oficiais de Registro de Imóveis. Assim, serão aceitos documentos nato-digitais[1], ou documentos físicos digitalizados de acordo com os padrões técnicos definidos pelo Decreto nº 10.278/2020.

Nesse contexto, são exemplos de documentos nato-digitais aceitos:

  1. Documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado, por todos os signatários (inclusive testemunhas), assinado com uso de certificado digital ICP-BrasiL;
  2. Documento público ou particular para qual seja exigível a assinatura apenas do apresentante, desde que gerado eletronicamente em PDF/A e assinado por aquele com assinatura eletrônica qualificada ou com assinatura eletrônica avançada admitida perante os serviços notariais e registral[2];
  3. Certidão ou o traslado notarial gerado eletronicamente em PDF/A ou XML e assinado por tabelião de notas, seu substituto ou preposto;
  4. Documentos desmaterializados[3]por qualquer notário ou registrador, gerados em PDF/A e assinados por ele, seus substitutos ou prepostos com assinatura qualificada ou avançada;
  5. Cartas de sentença, formais de partilha, cartas de adjudicação, os mandados de registro, de averbação e de retificação.

O Provimento nº 180/24 do CNJ autoriza o registrador a solicitar a apresentação do documento físico original para averiguação de autenticidade, tratando-se, porém, de procedimento excepcional à regra dos documentos digitais.

Desse modo, tornou-se possível requerer o registro da incorporação imobiliária digitalmente ao cartório, sem a obrigatoriedade de documentação física, mediante apresentação das versões eletrônicas dos documentos essenciais do procedimento através da plataforma, tais como o memorial de incorporação, plantas, requerimentos, quadros de normas técnicas, etc.

O novo formato eletrônico dos atos registrais na incorporação imobiliária confere agilidade ao processo, dispensando o deslocamento excessivo, a impressão e organização de papelada, e a espera em cartórios. Essa otimização do tempo possibilita o desenvolvimento de outras atividades. Adicionalmente, diminui consideravelmente o risco de perda de documentos durante o transporte físico, um aspecto importante quando o cartório competente se localiza em outra cidade que não a da incorporadora ou do escritório encarregado da incorporação.

Apesar dos avanços ainda persiste, na prática forense, certa resistência por parte de alguns registradores, que continuam exigindo a apresentação de documentos em meio físico ou se recusam a recepcionar parcela dos documentos no formato eletrônico. Contudo, a tendência da digitação é irreversível e irá impor a adaptação de todos à nova forma de condução dos procedimentos.

A experiência do processo judicial eletrônico é uma prova de como a digitalização pode transformar positivamente a rotina forense, proporcionando maior fluidez e eficiência às atividades de advogados, magistrados e servidores. Da mesma forma, a informatização dos atos registrais beneficiará a todos os envolvidos nas etapas da incorporação imobiliária, sejam registradores, escreventes, incorporadores, advogados e demais profissionais que atuam no setor.

Além dos ganhos operacionais, a digitalização também representa um avanço sob a perspectiva ambiental. A substituição de processos físicos por eletrônicos reduz significativamente o consumo de papel, tinta, energia elétrica e outros insumos relacionados à impressão e ao transporte de documentos. Isso contribui para a diminuição da geração de resíduos sólidos.

O futuro é digital.

[1] Documento nato-digital é aquele que já é criado originalmente em meio eletrônico, sem ter existido em formato físico. Ele nasce digital, como por exemplo um contrato redigido e assinado eletronicamente por meio de um sistema informatizado, e não resulta da digitalização de um papel.
[2] Conforme a Lei nº 14.063/2020, a assinatura eletrônica qualificada é aquela realizada por meio de certificado digital ICP-Brasil. Ela possui o mais alto nível de segurança e presunção legal de autenticidade, sendo amplamente aceita pelos cartórios e órgãos públicos. Já a assinatura eletrônica avançada é a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento;
[3] A desmaterialização consiste na possibilidade de geração de documentos eletrônicos, com aplicação de certificado digital, a partir da digitalização de documentos originalmente feitos em papel. A desmaterialização de documentos poderá ser realizada por Tabelião de Notas ou Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais que detenha atribuição notarial, bem como por seus prepostos autorizados, com uso dos meios técnicos da própria serventia.

Beatriz Cardoso
Rafael Andrade

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