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Artigo - 20 de setembro de 2022

Audiências assíncronas e transformação digital nos processos judiciais

Na última semana, dois fatos envolvendo audiências em processos judiciais que acompanho fora da Bahia me chamaram atenção.

No primeiro caso, processo do TJDFT e uma audiência de conciliação com duração próxima de uma hora, com as partes tendo a oportunidade de expor livremente sobre questões pessoais que podiam interferir em um possível acordo, e um conciliador atuando ativamente na busca da composição. O que deveria ser a essência da autocomposição, hoje é exceção e raridade entre as protocolares e burocráticas audiências que duram os poucos minutos necessários ao preenchimento da ata.

No segundo caso, processo do TJSP e uma intimação noticiando a possibilidade de realização de audiência assíncrona utilizando a plataforma da legaltech MOL para o envio de propostas e contrapropostas. Segundo a redação do próprio ato ordinatório, a prática respeita “o período necessário a cada um dos litigantes para a reflexão e ponderação e permitindo que optem pela solução que melhor atenda aos seus interesses, de forma consciente e proativa”. O fundamento normativo, curiosamente, não era uma recente resolução ou portaria expedida pelo TJSP, mas o artigo 22, §2º da Lei 9.099/95.

Foi necessário uma pandemia para percebermos que a tecnologia já existente permitia conferir muito mais eficiência e praticidade com a sessões, audiências e atendimentos por videoconferência. Passada esta primeira revolução, chega a hora de ir além: Por que manter um formato se há uma forma mais eficiente de alcançar o resultado? Ou melhor: Por que manter o processo paralisado por meses aguardando pauta de audiências se as partes podem interagir diretamente por plataforma eletrônica e ultrapassar esta fase processual em apenas 30 dias?

As duas situações, porém, possuem características antagônicas. O debate e a conexão interpessoal da primeira audiência não seriam possíveis se ela ocorresse no formato assíncrono, ao passo em que a utilização de plataforma digital para tratativas de acordo traz diversas vantagens quando comparada ao modelo síncrono, seja em formato virtual ou presencial.

A saída, logicamente, está na confluência dos modelos. Incentivar e multiplicar audiências assíncronas para processos em que a conciliação é meramente protocolar e muitas vezes limitada às margens de negociação disponibilizadas pela parte acionada (demandas de massa, relações de consumo, grandes litigantes, etc.) Com a disponibilidade de pauta gerada a partir disso, proporcionar verdadeiras audiências de conciliação para os processos que exigem esta dinâmica e o contato direto entre as partes (Direito de família, vizinhança, demandas de maior valor envolvido e com partes pessoas naturais, etc.). É possível, também, utilizar a forma assíncrona como regra e permitir que as partes possam indicar o seu interesse na realização de audiência tradicional (algo similar ao que é feito, hoje, com o Juízo 100% digital).

Para cada pequena revolução tecnológica no direito, haverá quem aponte os riscos e prejuízos em relação aos modelos mais tradicionais. Mais do que negar e rejeitar o avanço, é preciso contribuir para os eventuais ajustes e adaptações. Sigamos em frente.

Observação 1: A adoção da forma assíncrona para atos processuais usualmente praticados em tempo real não é exatamente uma novidade, sendo observada, por exemplo, nos julgamentos colegiados por sessões eletrônicas dos tribunais, quando o relator lança o seu voto em sistema e os demais julgadores gozam de prazo para acompanhar ou divergir. Em verdade, mais do que uma ferramenta que almeja a celeridade processual, este tipo de recurso impõe-se como medida imprescindível para fazer frente ao volume de demanda versus limitações de estrutura e pessoal dos tribunais.

Observação 2: As vantagens da comunicação assíncrona vão além do âmbito estritamente processual e guardam relação com a forma que dialogamos atualmente com as ferramentas tecnológicas. Em tempos de imediatismo, notificações e interrupções constantes, este tipo de interação, seja entre os servidores do Poder Judiciário, seja no âmbito corporativo dos escritórios de advocacia, traz benefícios à organização das demandas e viabiliza a entrega de trabalhos com maior foco e concentração. Em última análise, confere mais qualidade às  petições e decisões judiciais.

Theonio Freitas

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