Breve análise das Medidas Provisórias n. 1.108/2022 e n. 1.109/2022
Inicialmente, cabe pontuar que as Medidas Provisórias são normas com força de lei editadas pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência, precisando ser apreciada pelo Congresso Nacional para posterior conversão em lei dentro do prazo previsto na Constituição Federal.
Após análise das duas normas referidas, resta evidente que a edição das duas medidas provisórias não será suficiente para conferir segurança jurídica aos empregados e empregadores quanto à sua aplicação, sendo certo que ainda haverá muito debate sobre a aplicação dos dispositivos nela previstos.
Iremos abordar, primeiramente, a Medida Provisória n. 1.108/22 que dispõe sobre o pagamento de auxílio-alimentação e sobre tema do momento: o teletrabalho.
No que tange ao auxílio alimentação, o governo federal objetivou evitar o mau uso do antigo benefício já previsto na CLT. Instituído para fornecimento de alimento e refeições, não era incomum que os vales fornecidos pelo empregador fossem desvirtudados pelos empregados, utilizando-os para outras finalidades, inclusive compra de gasolina em postos de saúde ou outros itens, sem nenhuma relação com a alimentação, sem que essa conduta sofresse qualquer penalidade pelas empresas por ser tão comum.
Agora, determina a MP n. 1.108/22 que o Auxílio-alimentação deve ser destinado exclusivamente para a compra de alimentos ou refeições em restaurantes. Em caso de eventual desvirtuamento da sua finalidade ou execução inadequada do benefício, a norma prevê aplicação de penalidades para o empregador e para a empresa registrada no Ministério do Trabalho e Previdência que intermedia a concessão do benefício.
O art. 3º- A da MP prevê, desde a aplicação de multa pecuniária, até perda do benefício fiscal das pessoas jurídicas beneficiárias, situação que certamente impactará na realidade fática dos empregados e demandará maior controle pelas empresas.
Já o art. 5º da MP n. 1.108/22 altera a Lei n. 6.321, de 14 de abril de 1976, passando a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 1º As pessoas jurídicas poderão deduzir do lucro tributável, para fins de apuração do imposto sobre a renda, o dobro das despesas comprovadamente realizadas no período base em programas de alimentação do trabalhador previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho e Previdência, na forma e de acordo com os limites em que dispuser o Decreto que regulamenta esta Lei.
Assim, a nova medida provisória prevê também benefício fiscal às empresas que comprovem as despesas com concessão do auxílio-alimentação aos seus empregados.
No entanto, o ponto mais debatido na referida medida provisória está relacionado às disposições trazidas quanto ao teletrabalho. Apesar de ter sido inserido na CLT expressamente no Capítulo II-A em 2017 com a Reforma Trabalhista, foi com a Pandemia que o trabalho remoto passou a ser largamente utilizado pelas empresas como forma de continuar operando diante de tantos lookdowns sofridos.
Alguns doutrinadores até estão se referindo à criação do instituto jurídico do “teletrabalho híbrido”, ante às evidentes modificações das definições do trabalho remoto conhecidas até então.
Entendemos ser evidente que a medida provisória modificou a definição de trabalho remoto já consolidada no ordenamento jurídico trabalhista ao sinalizar que será considerado como teletrabalho a prestação de serviço remoto pelo empregado ainda que haja comparecimento habitual nas dependências do empregador. Isto por que, a maior característica do trabalho remoto é o não comparecimento do empregado no estabelecimento do empregador.
Vejamos o quando disposto na nova norma que alterou o art. 75 da CLT:
Art. 75-B. Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo.
1º O comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas, que exijam a presença do empregado no estabelecimento, não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto.
Ora, é evidente que a definição de teletrabalho foi atualizada com a edição da nova norma, sendo imprescindível identificar como compatibilizar o serviço remoto com o comparecimento habitual do funcionário nas dependências da empresa, ainda que a MP faça referência às “atividades específicas”.
Uma série de questionamentos pode ser formulada a partir dessa redefinição de conceito, como por exemplo, em caso de o empregado prestar alguma atividade fora das dependências do empregador já configuraria como teletrabalho? Como será possível diferenciar o empregado que desenvolve atividade de teletrabalho daquele que trabalha presencialmente (mas que também pode trabalhar de forma remota, como é extremamente comum nos dias atuais)? Seria o caso de se criar modalidades de teletrabalho no que tange ao local de trabalho do funcionário?
Entendemos que será necessário estabelecer essas novas condições do teletrabalho para evitar, principalmente, insegurança jurídica aos empregadores.
Observe-se que, o teletrabalho foi instituído pela Reforma Trabalhista de 2017, sendo espécie do gênero trabalho à distância. A Lei n. 13.467/17, inclusive, previu a inexistência de controle de jornada aos empregados que estivessem submetidos ao trabalho remoto, inserindo-os no art. 62 da CLT naquela oportunidade.
Essa também foi outra mudança significativa, pois a MP n. 1.109/22 modificou o texto do art. 62 da CLT para inovar nas modalidades de teletrabalho no que concerne à forma de remuneração desses empregados.
A referida Medida Provisória incluiu no art. 62 da CLT as expressões “por tarefa” e “por produção” para, expressamente, excluir apenas essas duas modalidades do controle de jornada, senão vejamos:
Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
III – os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa.
Assim, diante do texto da nova MP, é de clareza solar que o empregado horista que presta serviço em teletrabalho voltou a necessitar de controle de jornada (até então expressamente excluído no art. 62 CLT).
Aqui é possível verificar mais uma aparente inconsistência que precisará ser melhor abordada pelos operadores do direito do trabalho para compatibilizar os conceitos.
Isto por que, a remuneração por produção também considera as horas de trabalho do empregado para fins de percepção de horas extras. Vejamos o quanto previsto na OJ 235 da SDI-I:
235. HORAS EXTRAS. SALÁRIO POR PRODUÇÃO (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 16.04.2012) – Res. 182/2012, DEJT divulgado em 19, 20 e 23.04.2012
O empregado que recebe salário por produção e trabalha em sobrejornada tem direito à percepção apenas do adicional de horas extras, exceto no caso do empregado cortador de cana, a quem é devido o pagamento das horas extras e do adicional respectivo
Assim, como será possível excluir do controle de jornada o empregado que trabalha em teletrabalho por produção, se a lei já assegurava a ele a remuneração pelas horas extras em caso de labor em sobrejornada?
Outro aspecto relevante abordado pela medida provisória é determinação de que a norma coletiva e a legislação aplicáveis para o empregado em regime de teletrabalho é a da base territorial do empregador onde está lotado, independentemente de onde ocorra de fato a prestação de serviços.
Isso por que, podendo o empregado, em regime de teletrabalho, prestar serviço em qualquer lugar do mundo, restaria questionável qual a regra de direito material lhe seria aplicável, mas essa dúvida parece ter sido sanada a contento.
Agiu acertadamente o governo federal nesse sentido, pois garantiu segurança jurídica às partes da relação de emprego determinando que sejam aplicadas as disposições previstas na legislação local e nas convenções e acordos coletivos de trabalho relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado para os empregados que prestam serviço em teletrabalho em localidade diversa da lotação do empregado.
Já a Medida Provisória n. 1.109/22, muito parecida com as antigas normas editadas em 2020 em decorrência da Pandemia pelo novo Corona Vírus, traz novas flexibilizações das normas trabalhistas para auxiliar as empresas no enfrentamento das consequências sociais e econômicas decorrentes de estado de calamidade pública. A MP retoma, com algumas mudanças, regras do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.
A referida Medida Provisória, entretanto, sinaliza que ato do Ministério do Trabalho e Previdência estabelecerá o prazo em que as medidas alternativas poderão ser adotadas, que poderá ser de até 90 dias, prorrogável enquanto durar o estado de calamidade pública decretado. Nos termos da MP n. 1.109/22, poderão ser adotadas medidas como:
I – o teletrabalho;
II – a antecipação de férias individuais;
III – a concessão de férias coletivas;
IV – o aproveitamento e a antecipação de feriados;
V – o banco de horas; e
VI – a suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;
Assim, o empregador poderá alterar o regime de trabalho presencial para trabalho remoto, além de determinar o retorno ao serviço presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.
A norma prevê, ainda, que o empregador poderá antecipar as férias individuais ou conceder férias coletivas, interromper as atividades e a constituir regime especial de compensação de jornada por meio de banco de horas, estabelecido por acordo individual ou coletivo escrito, para a compensação no prazo de até 18 meses.
A MP n. 1.109/22 recria a possibilidade de o empregador realizar a redução de jornada de trabalho e de salário ou a suspensão de contrato com o pagamento do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, através de ato do governo federal, bem como permite antecipação de feriados federais, estaduais, distritais e municipais, incluídos os religiosos, como havia sido autorizado no ano de 2020.
Assim, mais uma vez, é notório o interesse do governo federal em interferir nas relações trabalhistas na tentativa de permitir aos empregadores o restabelecimento saudável das suas atividades econômicas, especialmente após a grave crise imposta pela Pandemia pelo novo Corona Vírus. No entanto, não se pode esquecer que, para auxiliar de fato os empregadores, é imprescindível que as normas sejam claras e garantam segurança jurídica para evitar que elas sejam posteriormente questionadas e afastadas judicialmente, como comumente acontece na Justiça do Trabalho.