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Artigo - 29 de abril de 2025

Cancelamento unilateral dos planos de saúde: quando há irregularidade na conduta das operadoras?

Não é novidade no Brasil que a judicialização de questões relacionadas a planos de saúde é matéria constantemente apreciada pelos tribunais. Um dos temas que vem ganhando destaque é o cancelamento unilateral dos planos de saúde pelas operadoras.

Para compreender se esse cancelamento é abusivo ou não é preciso analisar as particularidade de cada modalidade de contratação (plano individual, familiar, coletivo por adesão ou coletivo empresarial), os termos do contrato e da legislação vigente, bem como as normas da Agência Nacional de Saúde – ANS e o posicionamento dos tribunais, sobretudo o Superior Tribunal de Justiça.

Em se tratando dos planos individuais e familiares, a rescisão unilateral somente poderá ocorrer em casos de fraude ou não pagamento da mensalidade por mais de 60 dias, consecutivos ou não, nos últimos 12 meses de vigência do contrato (desde que o consumidor seja notificado até o quinquagésimo dia da inadimplência)1.

Não sendo o cancelamento motivado por uma dessas hipóteses legais, o beneficiário poderá socorrer-se do judiciário para pleitear o restabelecimento do contrato e indenização por danos morais, a depender de cada caso.

A título de exemplo, ao longo do ano de 2024 foi possível observar em Salvador uma crescente de casos em que diversos beneficiários de um plano de saúde na modalidade individual, e que figuravam na condição de dependentes do titular do contrato (geralmente pai ou mãe), tiveram o seu plano cancelado unilateralmente pela operadora, sob a justificativa da perda da qualidade de dependência econômica do titular.

Sem qualquer previsão contratual ou legal para tanto, os magistrados do Juizado Especial do Consumidor firmaram o entendimento de que esses cancelamentos seriam abusivos, sendo determinado o imediato restabelecimento dos contratos.

Já em relação aos planos coletivos, a discussão ganha contornos mais complexos, sobretudo diante da inexistência de previsão legal aplicável a esta modalidade de contrato. É justamente nesse cenário que as atuações da Agência Nacional de Saúde e do Superior Tribunal de Justiça ganham destaque, já que são as resoluções normativas e os precedentes desta corte que balizam os diversos julgados sobre o tema.

Primeiramente é preciso ter em mente a distinção conceitual entre plano coletivo por adesão e plano coletivo empresarial:

  • plano coletivo por adesão é aquele que oferece cobertura da atenção prestada à população que mantenha vínculo com determinadas pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, como por exemplo, conselhos profissionais e entidades de classe (nos quais seja necessário o registro para o exercício da profissão), sindicatos, centrais sindicais e respectivas federações e confederações, associações profissionais legalmente constituídas, entre outras2.
  • plano privado de assistência à saúde coletivo empresarial é aquele que oferece cobertura da atenção prestada à população delimitada e vinculada à pessoa jurídica por relação empregatícia ou estatutária3;

Em ambas as modalidades de contratação as condições para o cancelamento do plano devem constar expressamente no contrato celebrado entre as partes, sob pena de violação ao direito de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor. Em caso de omissão, poderá o consumidor discutir judicialmente a abusividade do cancelamento unilateral do contrato.

Nos casos de cancelamento unilateral de planos coletivos por adesão o beneficiário poderá pleitear judicialmente a sua migração para um plano individual ou familiar, caso estas modalidades sejam comercializadas pela operadora, devendo ainda ser informado acerca dos termos do novo contrato (custos para adesão, valor das mensalidades, cobertura e rede credenciada e isenção ao cumprimento de novos prazos de carência).

Não sendo comercializado plano individual ou familiar, mas apenas coletivo, a operadora não poderá ser obrigada a oferecer um plano individual ao beneficiário que teve o seu contrato cancelado. Este é o cenário mais delicado para o consumidor (principalmente no caso de pessoas idosas, consideradas hipervulneráveis), já que apenas poderá ser discutido judicialmente o restabelecimento e manutenção do contrato (caso a referida modalidade não tenha sido descontinuada pela operadora), eventual indenização por danos morais e a possibilidade de portabilidade de carência para um novo plano4.

Nos casos de cancelamento unilateral do plano coletivo empresarial, o entendimento do STJ no julgamento do REsp 1.924.526 é o de que o empregador deverá contratar uma nova operadora, com o intuito de evitar prejuízos aos seus empregados (ativos e inativos), pois, caso contrário, serão estes que precisarão se socorrer da portabilidade ou da migração para planos individuais, cujos custos são reconhecidamente mais elevados.

O que o consumidor precisa ter em mente é que os tribunais têm mantido o entendimento quanto à licitude da resilição unilateral e imotivada dos planos de saúde coletivos, desde que preenchidos os requisitos elencados pela ANS5, sendo eles:

MODALIDADE CRITÉRIOS PARA CANCELAMENTO UNILATERAL
 

Plano individual ou familiar

●            Não pagamento de mensalidade a partir de 60 dias consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato;

●            Necessária notificação até o 50º dia da inadimplência.

 

Plano coletivo por adesão ou empresarial

●            Necessária previsão contratual para todos os associados;

●            Nos casos de fraude, perda de vínculo com a pessoa jurídica contratante, ou por não pagamento;

●            Poderá ser rescindido imotivadamente após a vigência do período de 12 meses;

●            Necessária notificação com 60 dias de antecedência.

 

 

 

 

Plano coletivo empresarial contratado pelo empresário Individual

●            Poderá ser rescindido imotivadamente após 12 meses desde que haja previsão em contrato e que valha para todos os associados;

●            O beneficiário poderá ser excluído individualmente pela operadora em caso de fraude, perda de vínculo com a pessoa jurídica contratante, ou por não pagamento;

●            O contrato somente pode ser rescindido imotivadamente após a vigência do período de 12 meses, na data do aniversário do contrato;

●            Necessária notificação com 60 dias de antecedência ao aniversário do contrato;

●            Necessário comprovar, anualmente, a condição de empresário individual, bem como das condições de elegibilidade, sob pena de rescisão.

 

Ao contratar quaisquer dessas modalidades, o futuro beneficiário deverá levar em consideração todas as peculiaridades do plano escolhido, atentar-se às cláusulas do contrato e, caso seja surpreendido com o cancelamento repentino do seu plano, poderá buscar o judiciário para ter garantidos os seus direitos.

Para além de uma mera análise do cumprimento ou não da norma legal ou das resoluções da ANS, o reconhecimento da abusividade de um cancelamento de plano de saúde precisa ser analisado caso a caso, levando em consideração as particularidades da relação jurídica e da conduta da operadora, além da situação do beneficiário no momento do cancelamento (se estiver em meio a um tratamento de saúde, por exemplo).

Todos esses aspectos precisam ser analisados sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, já que o interesse maior é salvaguardar os direitos do beneficiário, parte vulnerável na relação travada com a operadora do plano de saúde. Por isso é imprescindível buscar o auxílio de um advogado para que, assim, seja possível encontrar a melhor forma de resolver essa situação que, por certo, deixa muitos consumidores aflitos.

1 Art. 13, parágrafo único, inciso II da Lei 9.656/1998
2 Art. 15 da Resolução Normativa nº 557/2022 da Agência Nacional de Saúde – ANS
3 Art. 5º da Resolução Normativa nº 557/2022 da Agência Nacional de Saúde – ANS
4 Disciplinada pela Resolução Normativa nº 438/2018 da ANS.
5 Disponível em: https://www.ans.gov.br/images/stories/Legislacao/rn/rn509/RN_509_-_ANEXO.pdf

Milena Cruz

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