Classificação contábil e fiscal dos livros adquiridos por instituições de ensino
A relevância do acervo bibliográfico de uma instituição de ensino é inegável. Mesmo com a facilidade do acesso à informação na rede mundial de computadores (internet), a biblioteca das faculdades e escolas permanecem desempenhando papel fundamental na formação dos alunos e aperfeiçoamento do corpo discente. Há instituições, inclusive, que disponibilizam o acesso à biblioteca à comunidade, ampliando ainda mais a multiplicação do conhecimento.
Embora se reconheça que diversos itens podem compor o acervo de uma biblioteca de instituição de ensino (computadores, CDs, DVDs, projetores, dissertações, dentre outros materiais), o mais relevante é, sem dúvida, o livro impresso.
Do ponto de vista contábil, os livros adquiridos pela instituição de ensino podem ser classificados como despesa ou como ativo imobilizado, de acordo com a legislação fiscal e pronunciamentos técnicos de contabilidade. Caso o livro se trate de um ativo, é relevante também verificar se e como se dá a depreciação durante a sua vida útil.
A Lei n. 10.753/2003, que instituiu a Política Nacional do Livro, definiu o conceito de livro e os materiais a ele equiparados[1] e estabeleceu diretrizes para as bibliotecas públicas. Já em sua parte final, o art. 18 da referida lei, tratando de um conceito contábil, estabeleceu que “com a finalidade de controlar os bens patrimoniais das bibliotecas públicas, os livros não são considerados materiais permanentes”.
Em uma interpretação contábil-fiscal literal do dispositivo, a aquisição dos livros tratar-se-iam de despesas, como materiais submetidos ao consumo, e não como um investimento em ativo permanente (não passível, inclusive, de depreciação).
No entanto, essa não é a melhor interpretação. A Lei n. 10.753/2003 veicula normas aplicáveis às bibliotecas públicas, cujo tratamento possui peculiaridades inerentes à Administração Pública Direta e Indireta. Demais disso, interpretando sistematicamente a mencionada lei, parece-nos que o disposto no art. 18 está relacionado à biblioteconomia, e não à contabilidade, como toda a Lei n. 10.753/2003.
Os critérios de reconhecimento de um bem – e de seu respectivo custo – como ativo imobilizado são estabelecidos pela ciência da contabilidade. Nesse sentido, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis editou o Pronunciamento Técnico CPC 27, tratando exclusivamente sobre ativo imobilizado, de acordo com as Normas Internacionais de Contabilidade.
O objetivo do pronunciamento “é estabelecer o tratamento contábil para ativos imobilizados, de forma que os usuários das demonstrações contábeis possam discernir a informação sobre o investimento da entidade em seus ativos imobilizados, bem como suas mutações”.
De acordo com a definição constante no item 6 do CPC 27, ativo imobilizado é o item tangível que (a) é mantido para uso na produção ou fornecimento de mercadorias ou serviços, para aluguel a outros, ou para fins administrativos; e (b) se espera utilizar por mais de um período.
Ainda segundo o CPC 27, precisamente o item 7, reconhece-se um item como ativo imobilizado da pessoa jurídica se, e apenas se, (a) for provável que futuros benefícios econômicos associados ao item fluirão para a entidade; e (b) o custo do item puder ser mensurado confiavelmente.
O livro é um bem tangível mantido para uso no fornecimento dos serviços da instituição de ensino. Sua utilização na biblioteca, certamente, ultrapassa mais de um exercício e o custo de aquisição de cada um dos exemplares dos livros pode ser mensurado com confiabilidade. Finalmente, não há dúvida de que os livros adquiridos agregam valor à instituição de ensino, gerando o reconhecimento da comunidade acadêmica e dos alunos matriculados na instituição. Assim, também é provável que futuros benefícios econômicos associados ao item fluirão para a entidade de ensino.
Logo, em razão das atividades desenvolvidas pelas faculdades e escolas, os livros adquiridos para a composição do acervo bibliográfico das instituições devem ser caracterizados contabilmente como um ativo imobilizado da pessoa jurídica.
Finalmente, o art. 15 do Decreto-Lei n. 1.598/77, com a redação dada pela Lei n. 12.973/2014, prevê o seguinte:
Art. 15. O custo de aquisição de bens do ativo não circulante imobilizado e intangível não poderá ser deduzido como despesa operacional, salvo se o bem adquirido tiver valor unitário não superior a R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) ou prazo de vida útil não superior a 1 (um) ano. (Redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014)
Extrai-se da redação do dispositivo legal acima o seguinte: caso a instituição se submeta ao regime de apuração de IRPJ e CSLL com base no lucro real, os custos incorridos para a aquisição dos aludidos livros podem ser deduzidos do lucro tributável se o valor unitário do livro não for superior a R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) ou se o prazo de vida útil do livro não for superior a 1 (um) ano.
Outro aspecto relevante sobre o assunto é a depreciação.
Contabilmente, alguns bens sofrem encargos periódicos que diminuem seu valor e vida útil, em razão do uso, obsolescência ordinária ou desgaste natural. Esse desgaste é a depreciação.
O Regulamento do Imposto de Renda – RIR (Decreto 9.580/2018), que tem por objeto destrinchar a aplicação das leis tributárias (em sentido formal e material), veicula disposições sobre a depreciação de bens do ativo imobilizado das pessoas jurídicas.
O RIR estipula que todos os bens sujeitos a desgaste por uso, causas naturais e obsolescência normal podem ser objeto de depreciação, excepcionando, dentre outros bens, aqueles que “normalmente aumentam de valor com o tempo, como obras de arte ou antiguidades (art. 318, parágrafo único, inciso III).
Os livros adquiridos pelas instituições de ensino, tratando-se de bens do seu ativo imobilizado, estão sujeitos à depreciação, exceto se tais obras se caracterizarem como obras raras; nesse caso, não haverá depreciação contábil.
A parcela da depreciação dedutível do imposto sobre a renda é apurada mediante a aplicação da taxa anual de depreciação sobre o custo de aquisição do ativo. Tal taxa é divulgada periodicamente pela Receita Federal do Brasil, considerando o prazo esperado de vida útil de cada bem.
As taxas anuais de depreciação e o tempo de vida útil estimado dos bens atualmente vigentes estão dispostos no Anexo III da Instrução Normativa RFB n. 1.700/2017. Rigorosamente, o ativo “livro” ou equiparado não está indicado na Tabela de Taxas Anuais de Depreciação. Utiliza-se geralmente o percentual anual de depreciação a 10% (dez por cento), considerando que os livros possuem, em média, 10 (dez) anos de vida útil[2].
O Pronunciamento Contábil 27, ao tratar sobre depreciação dos bens que integram o ativo imobilizado, dispõe no item 43 que “cada componente de um item do ativo imobilizado com custo significativo em relação ao custo total do item deve ser depreciado separadamente”, bem assim que “o valor depreciável de um ativo deve ser apropriado de forma sistemática ao longo da sua vida útil estimada”.
Todavia, há de se reconhecer a inviabilidade – ou, no mínimo, grande dificuldade – da análise da depreciação individualizada de cada livro adquirido e registrado no ativo imobilizado. Nesse sentido, é plausível a aplicação da regra disposta no art. 320, §3º, do RIR, para chancelar a avaliação e depreciação do acervo da instituição de ensino de forma conjunta:
Art. 320. A taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa esperar utilização econômica do bem pelo contribuinte na produção de seus rendimentos.
[…]
§ 3º Quando o registro do imobilizado for feito por conjunto de instalação ou equipamentos, sem especificação suficiente para permitir aplicar as diferentes taxas de depreciação de acordo com a natureza do bem, e o contribuinte não tiver elementos para justificar as taxas médias adotadas para o conjunto, ficará obrigado a utilizar as taxas aplicáveis aos bens de maior vida útil que integrem o conjunto (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 12).
Assim, os livros adquiridos pelas instituições de ensino, além de se caracterizarem contabilmente como um ativo imobilizado, estão sujeitos à aplicação da quota anual de depreciação de 10% (dez por cento) ao ano, considerando a vida útil dos aludidos ativos, sendo possível, inclusive, a aplicação da taxa anual única de depreciação sobre todo o acervo bibliográfico.
[1] Art. 2o Considera-se livro, para efeitos desta Lei, a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento.
Parágrafo único. São equiparados a livro:
I – fascículos, publicações de qualquer natureza que representem parte de livro;
II – materiais avulsos relacionados com o livro, impressos em papel ou em material similar;
III – roteiros de leitura para controle e estudo de literatura ou de obras didáticas;
IV – álbuns para colorir, pintar, recortar ou armar;
V – atlas geográficos, históricos, anatômicos, mapas e cartogramas;
VI – textos derivados de livro ou originais, produzidos por editores, mediante contrato de edição celebrado com o autor, com a utilização de qualquer suporte;
VII – livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual;
VIII – livros impressos no Sistema Braille.
[2] SANTOS, M. et al Depreciação de livros: procedimento para determinação do custo. In: Congresso USP Controladoria e Contabilidade, 5, 2005. Disponível em: https://docplayer.com.br/17074582-Depreciacao-de-livros-procedimentos-para-determinacao-do-custo.html. Acesso em: 08/04/2019.