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Artigo - 30 de maio de 2023

Da incomunicabilidade dos rendimentos de participações societárias no regime de comunhão parcial de bens

Geralmente, ninguém se casa com a intenção de se separar. A menos que os nubentes acordem antecipadamente com um pacto antenupcial, as relações matrimoniais frequentemente não iniciam com uma discussão sobre a formação do patrimônio comum do casal e sua eventual destinação e partilha.

No âmbito de sociedades empresárias, quando um dos sócios se divorcia, muitas dúvidas surgem acerca das implicações do regime de comunhão de bens adotado em relação aos rendimentos da sociedade.

A extinção da sociedade conjugal traz a necessidade de realizar a partilha, especialmente se o ex-consorte, também sócio, tiver adotado o regime de comunhão parcial de bens, em que tudo o que é conquistado durante a convivência pertence a ambos, mas aquilo que cada um já tinha antes da união permanece como patrimônio particular, sem comunicação na partilha.

Ao tratar dos direitos de ex-cônjuges de sócio perante sociedades empresariais, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu que, após a partilha decorrente do processo de divórcio, a ex-cônjuge que passou a ser titular de 42,5% dos direitos patrimoniais relacionados às quotas da sociedade da qual o ex-marido é sócio e, por isso, também teria direito a receber parte do acréscimo patrimonial do sócio oriundo do lucro distribuído como dividendos.[1]

Como a sociedade tem personalidade jurídica própria, seu patrimônio também é destacado dos seus sócios. Portanto, o lucro líquido – aquele gerado a partir das deduções de todas as despesas – poderá ter destinos diferentes: (i) formação de reserva da sociedade; (ii) incorporação ao seu capital social; e (iii) distribuição de dividendos aos sócios.

Nem todos os rendimentos da sociedade empresária são considerados acréscimo patrimonial dos sócios. Somente rendimentos decorrentes da participação societária do cônjuge, ainda que se trate de bem particular, é incluído na comunhão, desde que revertidos ao patrimônio do sócio através da distribuição de dividendos.

O lucro apurado num determinado exercício deve ser distribuído aos sócios para representar um efetivo acréscimo patrimonial. Esse acréscimo patrimonial, por consequência, será passível de comunicabilidade, pois passou a integrar o acervo comum do casal.

Em julgamento do REsp 1.595.775/AP, a 3ª Turma do STJ enfrentou a matéria nos seguintes termos:

As quotas ou ações recebidas em decorrência da capitalização de reservas e lucros constituem produto da sociedade empresarial e aumentam o seu capital social com o remanejamento dos valores contábeis da própria empresa, consequência da própria atividade empresarial. Assim, tal reserva não se caracteriza como fruto, à luz do art. 1660, V, do Código Civil, apto a integrar o rol de bens comunicáveis ante a dissolução da sociedade familiar. Assim, não havendo redistribuição dos lucros da sociedade empresária aos sócios, porquanto retidos na empresa para reinvestimento, não há como reconhecer o alegado acréscimo do patrimônio do casal, motivo pelo qual não há falar em incidência do art. 1.660, V, do CC/02.[2]

Além disso, o relator sustentou em seu voto que, mesmo que os sócios tenham recebido novas quotas decorrentes da capitalização de reservas e lucros constituem produto da sociedade empresarial, pois incrementaram o capital social e, por via de consequência, a própria atividade empresarial.

“(…) Portanto, não constituem frutos do bem particular do consorte, motivo pelo qual, não integram o rol de bens comunicáveis quando da dissolução da sociedade familiar.

Assim, esse aumento do capital social não constitui fruto do sócio, mas, sim, produto da sociedade empresarial, que com o sócio não se confunde, como dito alhures, e, por isso, não se comunica.”[3]

Outro ponto que merece atenção é que, para a jurisprudência da  1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, “a separação das partes é fato estranho à sociedade, gravitando na órbita dos interesses privados do sócio que não pode dividir com os demais consortes e a sociedade os ônus da dissolução do seu casamento”[4]. Desse modo, os direitos patrimoniais do ex-cônjuge do sócio podem ser exercidos exclusivamente perante o sócio, jamais perante a sociedade, sendo ilegítimo o pedido de dissolução parcial da sociedade ou exigir-lhe contas para reivindicar a expressão econômica do seu quinhão.

 

[1] SÃO PAULO. TJ. Apelação Cível nº 1015377-69.2018.26.0161. Relator: CESAR CIAMPOLINI. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. 2021.

[2] BRASIL. STJ. REsp 1.595.775/AP. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva – 3ª turma.

[3] Sérgio Gischkow Pereira, Direito de família: aspectos do casamento, sua eficácia, separação, divórcio, parentesco, filiação, regime de bens, alimentos, bem de família, união estável, tutela e curatela, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2007. pág. 231 em BRASIL. STJ. REsp 1.595.775/AP. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva – 3ª turma.

[4]  SÃO PAULO. TJ. Apelação Cível nº 1015377-69.2018.26.0161. Relator: CESAR CIAMPOLINI. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. 2021.

Andressa Moura

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