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Artigo - 18 de dezembro de 2023

(Des)Proporcionalidade das taxas municipais sobre serviços de construção civil

O setor da construção civil é recorrentemente surpreendido com a cobrança de taxas municipais sobre diversos serviços próprios do setor. Apesar de indiscutível a legalidade do tributo, tais exigências fiscais comumente se afastam das diretrizes e princípios constitucionais aplicáveis ao direito tributário.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 145, II, autoriza a União, Estados, Distrito Federal e Municípios a instituírem taxas, em razão de um dos seguintes fatos geradores: (i) exercício do poder de polícia; ou (ii) utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.

A taxa é uma espécie de tributo contraprestacional. Diferentemente dos impostos, está vinculada a uma atividade estatal. Assim sendo, as taxas devem corresponder tão somente ao custo da atividade fiscalizatória, quando pautada no exercício do poder de polícia municipal, ou no custo do serviço público específico e divisível que fundamenta sua constituição.

No Município de Salvador1, há a denominada Taxa de Licença de Execução de Obras e Urbanização (TLE), disciplinada no art. 152 da Lei Municipal 7.186/2006 (Código Tributário e de Rendas do Município de Salvador). O fato gerador da taxa é o exercício do poder de polícia fiscalizatório em decorrência da realização de obras no município, a fim de fiscalizar o atendimento às normas administrativas condizentes à proteção estética e ao aspecto paisagístico, urbanístico e histórico da cidade, além da higiene e segurança pública.

À primeira vista, portanto, a TLE está pautada no exercício regular do poder de polícia municipal, atendendo ao quanto determinado na Constituição Federal. Ocorre, todavia, que o critério quantitativo da regra-matriz de incidência da aludida taxa é questionável: o valor da exação fiscal é calculado considerando exclusivamente a metragem do terreno/imóvel, aspecto que não necessariamente dimensiona o quantum que de ser ressarcido pelo contribuinte ao erário público municipal em virtude do exercício do poder de polícia realizado.

Cite-se, por exemplo, a TLE cobrada do contribuinte sobre a execução do serviço de terraplanagem e/ou escavação. O montante da taxa devida é calculado sobre os metros cúbicos (m³) de área terraplenada/escavada. De maneira similar, a TLE sobre a execução do serviço de arruamento é calculada considerando o metro quadrado (m²) do projeto.

Pautar a cobrança da taxa considerando somente a área que será objeto de determinado serviço de construção civil pode redundar na exigência de tributo que não guarda proporcionalidade entre o efetivo (ou potencial) exercício do poder de polícia fiscalizatório e o seu respectivo custo.

O princípio da equivalência impõe uma relação proporcional entre a atuação estatal e o aspecto quantitativo da taxa exigida. Utilizar como base de cálculo o critério único do tamanho do

terreno/imóvel, que não implica maior ou menor exercício do poder de polícia, afasta-se dos princípios constitucionais da proporcionalidade e não confisco.

Devendo a base de cálculo das taxas corresponder à efetiva atuação do ente público, a inobservância da proporcionalidade termina por macular a cobrança fiscal.

O Supremo Tribunal Federal (STF) considera a proporcionalidade entre o custo da atividade estatal e o valor da taxa cobrada do contribuinte como o critério preponderante para a apuração do montante devido das taxas decorrentes do exercício do poder de polícia, exigindo, portanto, uma “proporção razoável” entre a atividade estatal e o critério quantitativo do tributo.

No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.551/MG, de relatoria do Ministro Celso de Mello, o STF adotou o entendimento de que, sendo a taxa uma contraprestação em face da atividade exercida pelo poder público, não pode superar a relação de razoável equivalência, que necessariamente deve ser vista entre o custo real da atuação estatal destinada ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada sujeito passivo.

Na mesma linha, desta vez no julgamento da ADI 5.374/PR, o STF considerou que, mesmo legítima a quantificação em volume hídrico para a apuração da taxa de controle, acompanhamento e fiscalização das atividades de exploração e aproveitamento de recursos hídricos (TFRH) instituída pelo Estado do Pará, a utilização exclusiva de tal parâmetro enseja a desproporcionalidade entre o valor exigido e o custo da atividade fiscalizatória, revelando-se como afronta ao princípio da equivalência (custo/benefício), razão pela qual foi considerada inconstitucional.

No julgamento da ADI 6.211/AP, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, entendeu o Supremo ser imprescindível a observância da proporcionalidade e razoabilidade quando da quantificação das taxas de polícia em contrapartida ao real custo do serviço.

Assim, muitas das taxas municipais cobradas sobre a execução de serviços de construção civil possuem natureza meramente arrecadatória e não contraprestacional, como é próprio das taxas, uma vez ausente a equivalência entre o custo da atuação estatal e o valor da taxa exigida.

Caso o valor da taxa seja superior ao efetivo exercício do poder fiscalizatório municipal, caracterizando a onerosidade excessiva e desproporcionalidade, estar-se-á diante de nítida ofensa à regra prevista no art. 150, IV, da Constituição Federal, que proíbe a instituição de tributo com efeitos confiscatórios. É viável, nesses casos, o questionamento judicial das taxas incidentes sobre os serviços de construção civil, com fundamento na orientação do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

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