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Artigo - 28 de agosto de 2020

Direito de Arena – Repercussão Tributária da Distinção entre a Receita do Clube e a Receita dos Atletas

*Artigo originalmente publicado pelo Conjur.

A Medida Provisória n. 984/2020 impactou significativamente o mercado desportivo no Brasil, ao atribuir à entidade de prática desportiva mandante o direito de arena sobre o espetáculo.

De acordo com a Exposição de Motivos da aludida medida provisória, a entidade de prática desportiva “deve ter o direito de dispor sobre o seu produto, podendo negociar livremente de acordo com seus custos e receitas”, permitindo-se, ademais, “a utilização de novas mídias” e possibilitando “novas formas de transmissão diversas das plataformas tradicionais”.

A MP 984/2020 não se restringe a alterar, de maneira revolucionária, o negócio de captação, de fixação, de emissão, de transmissão, de retransmissão ou de reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo.

Altera-se também a forma de repartição da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais.

Antes da MP 984/2020, o art. 42, §1º, da Lei 9.615/1998 dispunha que 5% da receita correspondente ao direito de arena seriam repassados aos sindicatos de atletas profissionais, que distribuiriam, em partes iguais, aos atletas participantes do espetáculo desportivo.

A MP 984/2020 afasta a intermediação dos sindicatos e estipula o repasse direto aos atletas profissionais participantes do espetáculo, “exceto se houver disposição em contrário constante de convenção coletiva de trabalho”.

Antes ou depois da MP 984/2020, pode-se asseverar que 5% do valor equivalente ao direito de arena é receita dos atletas, ainda que tal quantia transite pela conta do clube.

Essa distinção entre a receita da entidade desportiva e a receita dos atletas sobre o direito de arena revela importante repercussão tributária, tendo em vista a sistemática de apuração da contribuição previdenciária da associação desportiva que mantém equipe de futebol profissional.

O art. 22, §6º da Lei .8212/1991 estabelece que a contribuição patronal do clube de futebol profissional “corresponde a cinco por cento da receita bruta, decorrente dos espetáculos desportivos de que participem em todo território nacional em qualquer modalidade desportiva, inclusive jogos internacionais, e de qualquer forma de patrocínio, licenciamento de uso de marcas e símbolos, publicidade, propaganda e de transmissão de espetáculos desportivos”.

base de cálculo da contribuição previdenciária empresarial da entidade desportiva é a sua receita bruta.

Não integra a receita bruta do clube de futebol os 5% do direito de arena pertencentes aos atletas profissionais, mesmo que esses valores ingressem nas contas da entidade para repasse posterior aos verdadeiros titulares dessa receita.

Antes da MP 984/2020, as cessionárias do direito de arena (empresas de televisão) costumavam descontar a quantia equivalente a 5% a título de contribuição previdenciária e mais 5% destinados ao sindicato de atletas de futebol, aplicando-se ambos os percentuais sobre o valor total objeto do contrato.

Num exemplo hipotético, a TVX celebrava com o clube Y contrato de cessão de direitos de captação, fixação, exibição e transmissão em televisão, ajustando-se a remuneração total de R$ 50.000.000,00.

A TVX deduzia o valor de R$ 2.500.000,00 a título de contribuição previdenciária e descontava também R$ 2.500.000,00 para repasse ao sindicato de atletas.

Para efeito de apuração da receita dos atletas sobre o direito de arena, correta era (e continua sendo) a aplicação do percentual de 5% sobre a “receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais”.

Porém, para cálculo da contribuição previdenciária devida pelo clube de futebol profissional, cumpre ao contratante (fonte pagadora) distinguir a receita bruta da entidade desportiva (95% do direito de arena) da receita bruta dos atletas (5% do direito de arena).

No cenário acima suscitado, impor-se-ia a retenção de R$ 2.375.000,00 [5% X (50.000.000,00 – 2.500.000,00)], excluindo-se a receita própria dos atletas da base de cálculo da contribuição patronal devida pelo clube de futebol.

Ainda que o cessionário do direito de arena não desconte os 5% de titularidade dos atletas e transfira esse valor para o clube (para distribuição subsequente, como agora determinado pela MP 984/2020), a natureza dessa verba não se transformará; continuará sendo receita bruta dos atletas e mero ingresso para a entidade desportiva, pois não se incorpora ao patrimônio do clube.

Convém esclarecer, desde logo, que o §9º da Lei 8.212/1991 não infirma o argumento ora desenvolvido.

Por óbvio, quando o referido dispositivo legal atribuiu à fonte pagadora a responsabilidade de retenção e recolhimento da contribuição previdenciária no “percentual de cinco por cento da receita bruta decorrente do evento, inadmitida qualquer dedução”, absolutamente ilegítimo estender essa base de cálculo à receita bruta de terceiros (como os atletas), ainda que também auferida naquele evento específico.

Se a materialidade da contribuição previdenciária do clube de futebol é o fato de auferir receita bruta, não se pode exercer qualquer pretensão fiscal sobre base de cálculo desconectada do fato tributário realizado pelo contribuinte.

Assim, a “receita bruta decorrente do evento” é a receita bruta auferida pela equipe de futebol profissional no evento esportivo. É apenas sobre a receita do próprio clube que não se admite “qualquer dedução”.

No espetáculo desportivo, outras pessoas auferem receitas (atletas, bares e restaurantes dos estádios, vendedores ambulantes etc.), não se cogitando de englobar essas receitas de terceiros na base de cálculo da contribuição previdenciária devida pelo clube de futebol.

Além de interferir sobre o montante da contribuição previdenciária da associação desportiva que mantém equipe de futebol, a distinção entre a sua receita própria do direito de arena e a receita dos atletas, para entidades de prática desportiva que não se enquadrem como associação, pode repercutir também sobre os tributos que incidem sobre a receita bruta do contribuinte (PIS e COFINS) e impactar também na apuração do IRPJ e da CSLL.

Enfim, o fisco só pode exigir tributo da entidade de prática desportiva sobre a sua receita própria, revelando-se insubsistente qualquer tentativa de englobar receitas de terceiros, como a parcela do direito de arena que compete aos atletas profissionais.

Marcos Pires

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