Encerramento da locação residencial por iniciativa do locador
Uma das dúvidas que podem pairar sobre a mente do morador de imóvel residencial alugado é a seguinte: O meu locador pode resolver encerrar o contrato de locação da noite para o dia sem qualquer justificativa?
A resposta imediata é “não”. Isto porque, via de regra, o locador não poderá reaver o imóvel alugado antes do fim do prazo ajustado entre as partes (vide art. 4º da Lei de Locações).
Por outro lado, é certo que a lei prevê algumas hipóteses em que o locador pode informar a sua intenção de que o locatário desocupe o seu imóvel com relativa brevidade.
Neste breve artigo, pretendemos esclarecer quais são essas principais hipóteses de encerramento, bem como os prazos previstos para a desocupação pelo locatário. Vamos a elas.
1. Prorrogação de contrato escrito com prazo igual ou superior a 30 meses.
Caso o contrato de locação seja escrito e tenha o prazo inicial igual ou superior a 30 meses, a lei prevê que, a princípio, este será encerrado automaticamente no referido prazo.
Porém, se o locatário continuar na posse do imóvel alugado após os 30 meses, por mais de 30 dias, sem oposição do locador, este mesmo contrato será considerado prorrogado por tempo indeterminado.
A partir de então (isto é, depois de passados os ditos 30 meses e mais de 30 dias), o locador poderá retomar o imóvel a qualquer tempo e sem necessidade de justificativa – o que se denomina “denúncia vazia” – bastando conceder o prazo de 30 dias para sua desocupação (vide art. 46, §2º da Lei de Locações).
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive, já decidiu no sentido de que, neste caso, a notificação do locador concedendo o referido prazo de 30 dias para desocupação pelo locatário é indispensável até mesmo para o ajuizamento de ação de despejo por denúncia vazia. Isto é, antes de ajuizar a referida ação de despejo, o prazo de 30 dias deve ter sido regularmente concedido pelo locador (REsp nº 1.812.465 – MG).
2. Contrato verbal ou escrito com vigência ininterrupta superior a cinco anos.
Agora imagine um contrato – verbal ou escrito – que tenha sido firmado por prazo inferior a 30 meses.
Neste caso, a Lei de Locações prevê que, findo o prazo contratual, a prorrogação será automática. Diferentemente da situação anterior, não se exigiria a permanência do locatário por mais de trinta dias após o prazo previsto, sem oposição do locador, para que o contrato passe a ter prazo indeterminado.
O cenário é basicamente este: ou o contrato de locação é firmado por pelo menos 30 meses, e somente será prorrogado com a anuência do locador, ou é firmado por prazo inferior a 30 meses e será prorrogado automaticamente após o implemento deste prazo.
(Caso o locador deseje evitar a prorrogação mencionada nos contratos com prazo inferior a 30 meses, terá de ficar atento a fim de notificar o locatário sobre a necessidade de desocupação do imóvel 30 dias antes do encerramento do prazo inicialmente previsto.)
Pois bem. Este contrato com prazo inferior a 30 meses, agora prorrogado por tempo indeterminado, poderá ser encerrado pelo locador somente quando a vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos (art. 47, V, da Lei de Locações).
Vale lembrar que estamos tratando aqui das hipóteses de “denúncia vazia” do contrato pelo locador – isto é, retomada do imóvel sem necessidade de justificativa – e que existem outras situações em que o locador poderá reaver seu imóvel, antes do implemento da vigência dos referidos cinco anos, porém de forma justificada (vide art. 47, I a IV, da Lei de Locações).
O STJ também já se pronunciou a respeito do referido prazo de cinco anos (REsp 1.511.978-BA), esclarecendo que este deve ser contado desde o início da relação contratual – e não apenas a partir da sua prorrogação.
3. Venda do imóvel locado sem cláusula de vigência averbada.
O terceiro e último caso que trataremos aqui se refere à alienação do imóvel. Na qualidade de novo proprietário, o adquirente do imóvel naturalmente substituirá o antigo locador.
(Não falaremos, neste artigo, sobre o direito de preferência do locatário para aquisição do imóvel, presumindo que este foi regularmente notificado para o exercício do referido direito, e que declinou).
Neste caso, a Lei de Locações prevê que, a princípio, o novo dono do imóvel poderá optar pela extinção do contrato de locação, desta vez concedendo o prazo de 90 dias para desocupação pelo locatário (art. 8º da Lei de Locações). Vale dizer que o adquirente do imóvel terá um prazo – também de 90 dias, contados do registro da venda – para exercer o direito de notificar o locatário sobre a referida desocupação.
(Destaque-se que idêntico direito terá o promissário comprador e o promissário cessionário, em caráter irrevogável, com imissão na posse do imóvel e título registrado junto à matrícula).
Mas não será em todo caso que o adquirente de imóvel locado terá o direito de optar pela sua resilição.
A Lei prevê que o locatário estará protegido desta hipótese de extinção da locação, caso o contrato: i) seja por prazo determinado; ii) contenha cláusula de vigência em caso de alienação; iii) esteja averbado junto à matrícula do imóvel. Os três requisitos são cumulativos (isto é, todos devem ser preenchidos). Vamos item por item.
Para que o locatário faça jus à proteção contra a denúncia imotivada do adquirente do imóvel, o contrato deve ter prazo determinado. Sendo assim, tal proteção não vale para os casos dos contratos prorrogados por tempo indeterminado, que mencionamos nos itens anteriores, e nem para aqueles já inicialmente firmados por prazo indeterminado.
Além disso, o contrato deve prever expressamente tal proteção – denominada pela lei de “cláusula de vigência em caso de alienação”. Tal cláusula assegura que a locação permanecerá vigente mesmo em caso de alienação do imóvel. Sendo assim, ela representa uma exceção ao princípio da relatividade dos efeitos do contrato, segundo o qual este não produz efeitos senão entre as partes.
Contudo, isto não basta.
Considerando que terceiros não têm a obrigação – e por vezes, sequer a condição – de saber da existência e do conteúdo do contrato de locação vigente relativo ao imóvel que pretendem adquirir, é necessário que o contrato de locação esteja averbado junto à matrícula do imóvel.
Como dissemos, ausente qualquer dos três requisitos anteriores, o locatário não estará protegido da extinção do contrato pelo novo dono do imóvel.
Conclusão
Vistas as principais hipóteses de denúncia vazia do contrato de locação pelo locador, evidencia-se a relevância da própria formalização e conteúdo do contrato de locação escrito para a incidência de tais hipóteses.
Desta forma, é extremamente recomendável, tanto para o locador quanto para o locatário, que busquem uma assessoria jurídica contratual adequada no momento de firmarem uma relação de locação.