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Artigo - 13 de setembro de 2023

Google ads, abuso de direito e concorrência desleal.

Compra ilícita de links patrocinados gera dever de indenizar, extensível ao provedor de buscas

Certa vez, ao buscar no Google, pelo nome de um software jurídico (Software “X”), me deparei, entre os primeiros resultados (links patrocinados), com os websites dos softwares concorrentes, chegando um dos anúncios a dizer: “Software Y, melhor que o X!

No último mês de agosto, no julgamento do REsp 2.032.932-SP, o Superior Tribunal de Justiça avaliou se situações deste tipo configuram concorrência desleal e se a responsabilidade do provedor de buscas estaria afastada pelo Marco Civil da Internet.

A concorrência desleal é uma prática ilícita de mercado cujo conceito pode ser encontrado na Lei de Propriedade Industrial. Segundo a referida lei, pratica concorrência desleal aquele que, dentre outros atos, usa indevidamente nome comercial, título de estabelecimento, expressão, insígnia, ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos.

Neste contexto, foi confirmado pela corte superior que configura concorrência desleal a compra de palavra-chave correspondente à marca registrada ou nome empresarial do concorrente, que oferece produtos ou serviços semelhantes. De acordo com os critérios fixados na decisão, a utilização ilícita da ferramenta estará configurada quando:

(i) a ferramenta Google Ads é utilizada para a compra de palavra-chave correspondente à marca registrada ou a nome empresarial;

(ii) o titular da marca ou do nome e o adquirente da palavra-chave atuam no mesmo ramo de negócio (concorrentes), oferecendo serviços e produtos tidos por semelhantes, e

(iii) o uso da palavra-chave é suscetível de violar as funções identificadora e de investimento da marca e do nome empresarial adquiridos como palavra-chave.

REsp 2.032.932-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 8/8/2023, DJe 24/8/2023.

A condenação abrangeu não somente a empresa responsável pela compra do link patrocinado, mas o próprio Google. O provedor de buscas sustentou em sua defesa que a situação consistia em mera publicidade comparativa, permanecendo com o usuário o controle sobre qual página acessar. O Google também buscou amparo no Marco Civil da Internet, que prevê sua responsabilização apenas nos casos de descumprimento de ordem judicial e veda ordens genéricas de monitoramento.

Apesar dos argumentos contrários, foi reconhecido que, ao buscar por determinada marca ou empresa, há uma indicação de que o consumidor tem preferência por ela, o que pode ser atribuído aos investimentos na divulgação e fixação do nome. Além disso, a compra de palavras chave por terceiros pode impedir a utilização pelo próprio detentor do nome, dada a sistemática de leilão no qual as palavras são disputadas pelos anunciantes.

Assim, valer-se de tal artifício para o desvio da clientela configura ato ilícito e gera o dever de indenizar pelos danos materiais e morais (arbitrados, no processo em referência, em R$10.000,00 para cada um dos réus).

O manutenção do Google como devedor da indenização foi fundamentada também no fato de que não se trataria de responsabilização pelo conteúdo de terceiros (vedada pelo Marcos Civil da Internet), e sim anúncio divulgado através de hiperlink na própria página do provedor de buscas (sem necessidade de identificar outro endereço URL).

É sempre interessante quando legislações mais antigas (neste caso, a LPI de 1996) são interpretadas para disciplinar situações típicas da sociedade digital. Precedentes como este ajudam a rechaçar a ideia de que a internet é “terra sem lei”, garantindo previsibilidade e segurança jurídica para o tão aquecido mercado de marketing digital.

Theonio Freitas

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