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Artigo - 18 de outubro de 2021

Importância da não tributação dos livros e o acesso à cultura

O Projeto de Lei n. 3887/2020 pretende revogar o art. 28 da Lei n. 10.865/2004, prevendo a incidência da CSB sobre a receita bruta decorrente da venda de livros. Mecanismo retrógrado e dificultador do acesso à cultura.

No Brasil, a imunidade tributária dos livros teve início com a promulgação da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, quando o então deputado Federal e ilustre escritor baiano, Jorge Amado, propôs a Emenda n. 2.850, posteriormente incorporada ao texto final[1], com o objetivo de que a imunidade tributária, originalmente aplicável apenas sobre “a importação e produção de periódicos e de papel de impressão”, abrangesse também o papel destinado à impressão de jornais e de livros.

Com brilhantismo, o autor de Capitães da Areia desempenhou papel fundamental para aprovação da Emenda n. 2.850 e destacou a importância de não ser cobrado imposto sobre a matéria-prima das obras literárias, por se tratar de mecanismo para disseminar e popularizar a cultura brasileira:

Nossa emenda, Sr. Presidente, visa, evidentemente, libertar o livro brasileiro daquilo que mais trabalha contra êle, daquilo que impede que a cultura brasileira mais ràpidamente se popularize, daquilo que evita chegue o livro fàcilmente a tôdas as mãos, fazendo seja êle no Brasil um objeto de luxo, quando, tanto o livro escolar quanto o de cultura mais alta constituem necessidade de todos os brasileiros[2] (redação original).

Essa imunidade foi estendida aos livros, jornais e periódicos pela Constituição de 1967[3] e reproduzida quase integralmente na Emenda Constitucional n. 1 de 1969[4].

Em 1988, a imunidade tributária dos livros foi garantida pela Constituição Cidadã[5], e, na sequência, com a Lei Federal n. 10.865/2004, foram reduzidas a zero as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda de livros no mercado interno[6].

Mais recentemente, sempre em prol da disseminação da cultura, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante n. 57, estendendo a imunidade tributária aos livros eletrônicos (e-books)[7].

Contudo, na contramão da legislação e da jurisprudência pátrias, o Projeto de Lei n. 3887/2020, que se refere à proposta de reforma tributária apresentada pelo Ministro da Economia para instituir a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), prevê a unificação das contribuições de PIS/COFINS com alíquota fixa de 12% (doze por cento) e estabelece a revogação da alíquota zero constante na Lei Federal n. 10.865/2004, incidente sobre a receita bruta decorrente da venda de livros no mercado interno[8].

Nesse sentido, na hipótese de a CBS ser aprovada, incidirá diretamente sobre a receita bruta auferida com a comercialização de livros e aumentará a carga tributária incidente sobre as obras literárias, expandindo o abismo cultural entre as classes sociais e caracterizando evidente retrocesso em matéria de direitos fundamentais.

A imunidade tributária dos livros e periódicos, instituída pela Constituição Cidadã, tem o condão de assegurar os direitos fundamentais à livre manifestação do pensamento; à liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação; à educação; e ao pleno exercício das manifestações culturais, sendo vedado o retrocesso.

Tais conquistas jurídicas são protegidas pela garantia constitucional da proibição de retrocesso, o qual impede o legislador de editar normas que revoguem ou diminuam, sem qualquer compensação, os direitos fundamentais já positivados pela ordem jurídica.

Assim sendo, caso o Projeto de Lei n. 3.887/2020 seja aprovado com a redação originalmente proposta, a cobrança de CBS no percentual de 12% (doze por cento) sobre a receita bruta auferida com a comercialização dos livros aumentará o valor das obras literárias para o consumidor final, dificultando ainda mais o desenvolvimento cultural e o acesso aos livros por tantos João José (Professor), Pedro Bala, Pirulito, dentre outros Capitães da Areia de Jorge Amado.

[1] Art 31 da Constituição de 1946. A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado: (…) V – lançar impostos sobre: (…) c) papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros.

[2] Brasil, Anais do Senado, Ano de 1946, Livro 22, Página 128. Disponível em: http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/Anais_Republica/1946/1946%20Livro%2022.pdf

[3] Art. 20 da Constituição de 1967. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) III – criar imposto sobre: (…) d) o livro, os jornais e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão.

[4] Art. 19 da Emenda Constitucional n. 1 de 1969. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) III – instituir impôsto sôbre: (…) d) o livro, o jornal e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão.

[5] Art. 150 da Constituição de 1988. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) VI – instituir impostos sobre: (…) d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

[6] Art. 28 da Lei Federal n. 10.865/2004. Ficam reduzidas a 0 (zero) as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda, no mercado interno, de: (…) VI – livros, conforme definido no art. 2º da Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003.

[7] Súmula Vinculante n. 57 do STF. A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias.

[8] Art. 130 do Projeto de Lei 3887/2020. Ficam revogados: (…) XXII – os seguintes dispositivos da Lei nº 10.865, de 2004: (…) c) os art. 27 a art. 31.

Paula Lima

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