Missão (quase) impossível: Extinção de tributos por dação de bem imóvel
Depois de quase dois anos da edição da Lei n. 13.259/16, a tão esperada regulamentação da extinção do crédito tributário com a dação em pagamento em bens imóveis finalmente “nasceu”. Em 09/02/18, foi publicada no DOU a Portaria PGFN n. 32, que veicula regras procedimentais para a extinção de débitos inscritos em dívida ativa da União.
A possibilidade de o contribuinte saldar suas dívidas com o Fisco mediante a entrega de um imóvel de sua propriedade é uma das hipóteses de extinção do crédito tributário previstas no art. 156, inciso XI, do Código Tributário Nacional – CTN. Tal possibilidade foi incluída no CTN em 2001, condicionada à posterior regulamentação por lei.
Nunca mais se tocou no assunto, até que em 2016, a Lei n. 13.259 abordou timidamente o tema, elencando no art. 4º algumas condições para a extinção do crédito tributário mediante a dação em bens imóveis. Tais condições, entretanto, estavam condicionadas à outra regulamentação, desta vez por ato infralegal do Ministério da Fazenda.
Em resumo, embora prevista no ordenamento jurídico desde 2001, a dação em pagamento de bens imóveis como forma de extinção de créditos tributários federais será efetivamente viável a partir de 2018.
Desde a edição da Lei n. 13.259/2016, foi vedada a dação em pagamento de bens imóveis para a extinção de débitos referentes ao Simples Nacional. Também esta lei estipulou a necessidade de avaliação do bem imóvel, que deve estar livre e desembaraçado, como condição para a dação, além de assegurar ao devedor a possibilidade de complementar, em dinheiro, eventual diferença entre o valor do bem e o montante da dívida que se pretende extinguir.
Com a Portaria PGFN n. 32/18, porém, o contribuinte que quiser regularizar seus débitos com a entrega de um bem imóvel terá que percorrer uma longa, cansativa e dispendiosa jornada.
O art. 3º da Portaria 32/18 impõe que, para que seja autorizada a dação em pagamento, o domínio pleno ou útil do bem imóvel esteja regularmente inscrito em nome do devedor, junto ao Cartório de Registro Imobiliário competente. Também exige a apresentação de certidão de quitação de IPTU, ITR, energia elétrica, água, esgoto, despesas condominiais e quaisquer outros encargos sobre o imóvel. Em resumo, o imóvel tem que ser (quase) perfeito.
A dação em pagamento ocorrerá pelo valor do laudo de avaliação do bem imóvel, cujo custo de elaboração será arcado pelo interessado, isto é, o devedor. Se o imóvel for urbano, o documento deverá ser elaborado por instituição financeira oficial. Em se tratando de imóvel rural, caberá ao INCRA realizar a avaliação, em procedimento para atender ao interesse social para fins de reforma agrária.
Quem conhece – e advoga – a área de direito agrário sabe bem da modicidade das avaliações financeiras realizadas pela autarquia federal. Essa constatação ganha especial e preocupante relevo com a imposição de renúncia, pelo proprietário do imóvel, do montante que superar o valor do débito.
É isso mesmo: se a avaliação do bem imóvel apontar que o mesmo vale menos que o montante do débito que pretende liquidar, é assegurado ao devedor complementar em dinheiro a eventual diferença entre o valor da totalidade da dívida e o valor do bem ofertado. Mas, se o bem ofertado for avaliado em montante superior ao débito, a dação em pagamento fica condicionada à renúncia expressa, em escritura pública, ao ressarcimento de qualquer diferença.
E a portaria já avisa: não serão aceitos imóveis de difícil alienação, inservíveis, ou que não atendam aos critérios de necessidade, utilidade e conveniência a serem aferidos pela Administração Pública. Noutras palavras, a União, utilizando-se de conceitos vagos, imprecisos e sem (ou com pouca) motivação, poderá dizer não ao imóvel oferecido em dação no final do procedimento.
Caso o contribuinte devedor discuta judicialmente o débito que pretende extinguir, deverá desistir da ação e renunciar ao direito sobre o qual se funda a demanda, situação que não o eximirá do pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Eventuais depósitos judiciais vinculados ao débito serão transformados em pagamento e amortizados do saldo remanescente.
E por falar em procedimento, o requerimento da dação em pagamento deve ser instruído com os documentos indicados no art. 5º da Portaria n. 32/18 e apresentado perante a unidade da PGFN do domicílio tributário do devedor. Inicia-se, então, o processo administrativo, no qual deverá ser colhida a manifestação de interesse no bem imóvel, expedida pelo dirigente máximo do órgão/entidade da Administração Direta ou Indireta.
Depois, a unidade da PGFN deverá se manifestar sobre a conveniência e oportunidade da dação em pagamento. Se a manifestação for favorável, o processo segue para a apreciação da Coordenação Geral de Estratégias de Recuperação de Crédito (CGR/PGFN).
Calma que ainda não acabou. Depois da CGR/PGFN, o processo administrativo segue sua viagem para a SPU – Superintendência do Patrimônio da União, que irá verificar a possibilidade de incorporação do imóvel ao patrimônio. Se o processo chegou até aqui, ele retornará para a CGR/PGFN, que aí então (finalmente!) decidirá se aceita ou não a proposta de dação em pagamento do bem imóvel como forma de extinção do débito tributário.
Curiosamente, durante o trâmite do procedimento, que certamente não será tão célere como deveria, não há a suspensão da cobrança administrativa ou judicial da dívida que se pretende extinguir com a dação. Isso significa que o devedor continuará sujeito à uma execução fiscal, no bojo da qual poderá ter seu patrimônio constrito.
A Portaria n. 32/18 traçou uma verdadeira via crucis burocrática para a extinção dos débitos tributários mediante dação em pagamento em bens imóveis. Com tantos documentos, etapas e atos, a regulamentação infralegal tem tudo para tornar o “novo” meio de regularização fiscal uma via pouco atrativa e inócua.
O contribuinte que pretende saldar sua dívida com o Fisco por meio da dação em pagamento, e for prejudicado ao longo do procedimento administrativo, seja pela avaliação aquém do valor efetivo do bem imóvel, seja pela morosidade para a finalização do procedimento – que não poderá superar 360 (trezentos e sessenta) dias, nos termos da Lei n. 11.457/07 –, sem dúvida pode lançar mão de medidas judiciais para sanar as ilegalidades e garantir o exercício de direitos.
Mesmo diante da aparente intenção da Portaria PGFN n. 32/2018 de manter sem eficácia a disposição do art. 156, XI, do CTN (similar à forma que estava desde 2001), não esqueçamos da inafastabilidade do Poder Judiciário, que deve impedir que as disposições de um ato regulamentar, inferior, portanto, à lei, inviabilize o exercício efetivo do direito do contribuinte previsto no Código Tributário Nacional e na Lei n. 13.259/2016.