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Artigo - 3 de maio de 2022

Possibilidade de averbação de protesto contra alienação sobre bem de família

Salvaguarda aos interesses de credores e terceiros, justifica, no entendimento do STJ a instituição de gravame mesmo sobre imóveis considerados bem de família

 

O bem de família, entendido como o imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente[1], é uma das atuais hipóteses de impenhorabilidade patrimonial. Por tal motivo, bens enquadrados sob tal natureza não poderão, em cobranças judiciais de créditos, ser objeto de medidas expropriatórias, conforme dispõe o art. 1º da Lei n. 8.009/1990.[2]

Por vezes, entretanto, observa-se que os únicos bens sob a titularidade de devedores são, justamente, imóveis residenciais caracterizados como bem de família, ou seja, não passíveis de penhora, o que acarreta prejuízo à satisfação do crédito devido ao credor e dilação indefinida do curso dos procedimentos executivos.

Recentemente, no julgamento do REsp 1.236.057-SP[3], a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu pela validade da averbação de protesto contra alienação na matrícula de imóvel considerado bem de família.

Nos autos de origem, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo havia determinado a averbação do protesto, em caráter informativo, na matrícula do único imóvel sob a titularidade do devedor, tendo sido preservada a condição de impenhorabilidade do bem.

A referida espécie de medida cautelar está prevista no rol do art. 301 do CPC[4] e possui, dentre outras, a função de promover a ressalva dos direitos do credor[5], servindo como alerta a terceiros acerca da existência da pretensão executiva do credor, assim como para prevenir eventual alienação fraudulenta.

Para o tribunal superior, o protesto averbado na matrícula do bem não possui natureza constritiva, ou seja, não importa na restrição à alienação do bem, constituindo forma de publicizar, perante terceiros, a existência da pretensão do credor que, eventualmente, será exercida na hipótese de descaracterização do bem de família e consequente afastamento da proteção contra a penhora.

A referida medida, inclusive, facilitará a habilitação dos créditos em procedimentos de inventário, a fim de impedir que o imóvel seja alienado por terceiros antes da quitação do débito.

Conforme ressaltado no voto do Ministro Antonio Carlos Ferreira, “a impenhorabilidade do bem de família nada mais é do que uma garantia jurídica incidente sobre uma situação fática, qual seja, a moradia familiar”, de modo que, caso tal situação seja descaracterizada, “a venda posterior do imóvel com registro de protesto contra alienação de bens pode, numa análise casuística, configurar fraude à execução”, acarretando relevante prejuízo aos adquirentes de boa-fé.

Diante de tais aspectos, constata-se que o referido precedente possui suma importância no sentido de conferir maior eficácia à tutela executiva no ordenamento pátrio, especialmente quando constatada a quantidade de execuções pendentes de resolução, cujo montante supera 7 milhões de processos, conforme dados divulgados pelo CNJ em levantamento realizado no ano de 2021.[6]

No atual cenário, enquanto propostas de desjudicialização da tutela executiva ainda são objeto de debates parlamentares, a adoção de medidas cautelares previstas no sistema processual, tal como o protesto contra alienação de bens de família, influenciarão positivamente na satisfação dos interesses de credores e salvaguarda de terceiros, contribuindo, em última análise, à constituição de um cenário propício ao desenvolvimento econômico nacional.

 

[1] Art. 5º da Lei n. 8.009/1990. Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente;

[2] Art. 1º da Lei n. 8.009/1990. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei;

[3]STJ – REsp 1236057/SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 06/04/2021, DJe 28/04/2021

[4] Art. 301 do CPC. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.

[5] DIDIER Jr, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 12ª Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016. p. 669.

[6] Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2021. Brasília: CNJ, 2021. p. 172

Rafael Andrade

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