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Artigo - 8 de julho de 2020

Recusa terapêutica em tempos de COVID-19

Pacientes abandonam tratamentos enquanto outros se recusam a buscar unidades de saúde. Quais normas éticas devem ser observadas em situações deste tipo?

Tem-se noticiado, nas últimas semanas, acerca do grande crescimento do número de casos de mortes em casa, como mais uma das graves consequências relacionadas à pandemia de COVID-19. Levantamento divulgado pela Folha de São Paulo aponta que este tipo ocorrência teve crescimento de 53% em quatro capitais brasileiras em relação ao mesmo período do ano passado.

As causas por trás deste fenômeno são diversas, havendo, por certo, casos de pacientes com COVID-19 que pioram repentinamente, pacientes terminais que deixam de buscar assistência hospitalar por medo de contaminação, e, por último, portadores de doenças que interromperam ou negligenciaram seus tratamentos ambulatoriais.

Neste último caso, convém questionar quais possíveis implicações éticas envolvendo a relação médico-paciente quando este último prefere, em exercício de sua autonomia, não dar seguimento, suspender, ou relaxar o tratamento ambulatorial.

Conforme art. 1º da Resolução CFM nº 2.232/2019, a recusa terapêutica é direito do paciente e deve ser respeitado pelo médico, desde que esse o informe dos riscos e das consequências previsíveis de sua decisão. A informação sobre os riscos e consequências da decisão do paciente, como visto, é colocada como condição para que a atuação do médico não seja questionada.

Esta previsão se aproxima do artigo 34 do Código de Ética Médica, que traz entre as vedações profissionais deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento.

Assim, enquanto perdurarem as restrições de mobilidade social e o receio de comparecimento às unidades de saúde, os médicos que possuem pacientes sob acompanhamento em seus consultórios devem conferir especial atenção não apenas para as advertências sobre a importância de se manter o tratamento, mas sobretudo sobre os riscos que podem advir da interrupção ou relaxamento dos cuidados prescritos.

Havendo pacientes menores ou incapazes, se a recusa de tratamento por parte de representantes ou terceiros trouxer relevante risco à saúde, deverá o médico comunicar o fato às autoridades competentes (Ministério Público, Polícia, Conselho Tutelar). Trata-se de dever ético, e não mera possibilidade, visando o melhor interesse do paciente (Art. 4º – Resolução CFM nº 2.232/2019).

Vale destacar que a Resolução 2.232/2019 não estipula forma para documentação da recusa terapêutica, admitindo, inclusive, o uso de tecnologias de áudio e vídeo, desde que possível a preservação e inserção no respectivo prontuário (art. 12, parágrafo único – Resolução CFM nº 2.232/2019). A elaboração de termos ou comunicação escrita, portanto, embora desejável, não é obrigatória para comprovação de que o médico cumpriu com seu dever de informação.

Recomenda-se, desta forma, que nos contatos realizados com os pacientes ou familiares (no caso de incapazes ou menores), haja a comunicação clara e ostensiva sobre os possíveis riscos decorrentes da interrupção ou relaxamento do tratamento de saúde, com devido registro em prontuário, afastando possíveis alegações de não observância do regramento ético, ou até mesmo pretensões indenizatórias no âmbito da responsabilidade civil.

Theonio Freitas

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