Reforma tributária: o “elefante na sala” do ordenamento jurídico brasileiro
O sistema tributário nacional, decerto, é o elefante na sala do ordenamento jurídico brasileiro. Em maio de 2021, um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) revelou que, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, isto é, em 33 anos, foram editadas 443.236 normas em matéria tributária; são mais de 2,2 normas tributárias por hora (dia útil), tendo havido 17 emendas constitucionais tributárias.
A Proposta de Emenda à Constituição n. 110/2019 tem o ambicioso, tormentoso e complicado objetivo de promover a reforma tributária, o que inescapavelmente perpassa por alterações substanciais no Sistema Tributário Nacional até então conhecido (ou não).
Embora de 2019, a PEC n. 110/19 passou a ser conhecida da sociedade no ano de 2021, quando o tema reforma tributária ganhou mais destaque nos meios de comunicação, sobretudo em virtude da largamente noticiada pretensão da União de afastar a isenção tributária do imposto de renda sobre a distribuição de lucros e dividendos por pessoas jurídicas.
A mudança das regras do imposto de renda sobre lucros e dividendos, objeto de um projeto de lei específico (PL 2337/2021), é uma alteração legislativa consideravelmente simples quando comparada à PEC n. 110/19. Esta sim tem o condão de mudar profundamente toda a estrutura tributária brasileira.
O mais arrojado (e não único) objetivo da PEC n. 110/19 é unificar os tributos federais, estaduais e municipais sobre consumo atualmente existentes no atual sistema tributário brasileiro (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) em três novos tributos.
De competência federal, propõe-se a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) para substituir o PIS, Cofins-importação e Cofins; e do Imposto Seletivo (IS), em substituição ao IPI. Para extinguir o ICMS e o ISS, almeja a PEC n. 110/2019 instituir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.
Os tributos que se pretende unificar possuem atualmente diversas regras procedimentais próprias. O objetivo da PEC n. 110/2019 é simplificá-las, ou mesmo eliminá-las, a sim de criar um sistema tributário mais coerente.
Os desafios, porém, são uma manada de elefantes. Há múltiplas questões colaterais bastante tormentosas que precisarão ser enfrentadas, como por exemplo a adoção do princípio do destino para o IBS. Nos termos do recente Relatório da PEC n. 110/2019, lido na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ) em 23/02/2022, o local de destino do bem ou do serviço será o responsável pelo recolhimento do IBS, objetivando a tributação efetiva do consumo.
O impacto dessa nova sistemática para a arrecadação de Estados, Distrito Federal e Municípios é imenso. Tão grande que o próprio prazo de transição para a completa implementação do IBS pelos entes federados foi ampliado para impressionantes 40 (quarenta) anos. Ou seja: quando e se aprovada a PEC n. 110/2019, poderemos ter quatro décadas de transição tributária apenas para o IBS, que é somente um dos pontos da reforma.
Caso aprovado o Relatório da PEC n. 110/2019, a proposta será enviada para o plenário do Senado Federal, que por sua vez deverá aprovar a continuidade da tramitação da PEC por maioria de três quintos dos seus integrantes, em dois turnos de votação. Extremamente burocrático? Sim. Porém necessário, diante do que está em discussão.
Uma rápida leitura no projeto da “Reforma Tributária” permite compreender, sem muita dificuldade, porque o sistema tributário nacional, com seu emaranhado de regras, é o elefante na sala da nossa ordem jurídica: o problema é visível, todos se incomodam, mas a dificuldade em resolvê-lo é tamanha que foi cômodo ignorá-lo por tantos anos. Agora – e por mais 40 anos – chegou o momento de enfrentá-lo.