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Artigo - 7 de fevereiro de 2023

Responsabilidade das corretoras de investimentos pela venda de ações sem a autorização do investidor

A busca por rentabilidade econômica, aliada à disseminação de conteúdos relacionados à educação financeira nas redes sociais, faz com que um número cada vez maior de pessoas se interesse por investir em ativos de renda variável, tais como ações e fundos de investimento.  De acordo com dados divulgados pela B3 (Bolsa de Valores de São Paulo)[1], no ano de 2018, o Brasil registrou 814 mil de investidores pessoas físicas operando na bolsa de valores, tendo tal número sido elevado para 5,8 milhões no ano de 2022.

Para investir na bolsa de valores, necessariamente, o interessado terá de contratar o serviço de custódia fornecido por uma corretora de títulos autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sendo tal instituição financeira responsável por disponibilizar em conta digital a partir da qual o investidor poderá receber rendimentos, aportar seus recursos para adquirir os ativos comercializados na bolsa de valores, além de aliená-los.

Por exercer atividade análoga àquela realizada pelos bancos tradicionais, a prestação dos serviços das corretoras de valores está suscetível a falhas internas e influência de fraudadores. Tais atos, por vezes, se traduzem na alienação dos títulos depositados em uma conta de investimento sem a autorização do titular, o que impacta diretamente na estratégia de investimentos adotada, além de provocar diversos prejuízos.

No entanto, a norma prevista no parágrafo único do Art. 24 da Lei 6.385 de 1976, diploma legal responsável por regular o mercado de ações no Brasil, proíbe que as corretoras de alienar títulos custodiados ou replicar as importâncias recebidas sem a autorização expressa do investidor. Logo, a ordem de venda dos títulos deverá partir do próprio investidor e não de um terceiro ou por opção interna da corretora.

Com efeito, a corretora de títulos possui o dever legal de garantir a higidez das operações realizadas em sua plataforma, devendo adotar mecanismos de verificação e segurança destinados à preservar os dados pessoais dos investidores e coibir a ocorrência de fraudes ou falhas de sistema, como, por exemplo, exigir a certificação da identidade do cliente no momento em que a venda de uma ativo for solicitado.

A princípio, a demonstração da fraude aparenta ser tarefa árdua para o investidor, entretanto a corretora de títulos possui o ônus de demonstrar a validade das operações realizadas em sua plataforma, devendo, para tanto, armazenar os dados relativos às transações operadas através da conta do cliente, incluindo datas, nomes e outros mecanismos que possibilitem a identificação, tais como endereços de IP e aparelhos a partir do qual as ordens foram emitidas, por determinação da Instrução Normativa 505 da CVM:

Art. 12.  O intermediário somente pode executar ordens transmitidas por:

Parágrafo único. Todas as ordens devem ser registradas, identificando-se o horário do seu recebimento, o cliente que as tenha emitido e as condições para a sua execução.

Art. 13.  O intermediário deve arquivar os registros das ordens transmitidas pelos clientes e as condições em que foram executadas, independentemente de sua forma de transmissão.

Caso não demonstre a idoneidade da operação questionada pelo consumidor, a corretora deverá ser responsabilizada por ressarcir os prejuízos decorrentes de tal fato, tratando-se de falha no âmbito interno das suas operações, o que impõe o dever objetivo de indenizar, conforme disposição constante no Art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, complementado pelo Enunciado nº 479 da Súmula do STJ[2].

A indenização, por exemplo, compreenderá as quantias suprimidas da conta de investimentos, os dividendos distribuídos pelas empresas emitentes das ações que estavam custodiadas e que não puderam ser recebidas em razão da venda em momento inoportuno.

Também deverão ser indenizadas as vantagens econômicas decorrentes da valorização dos títulos que o investidor deixou de auferir em razão da alienação fraudulenta. Por exemplo, caso o valor de uma ação seja majorado logo após a concretização da venda desautorizada, assistirá ao investidor o direito de pleitear indenização correspondente ao proveito que teria obtido caso as ações permanecessem em sua conta e pudessem ser alienadas no momento mais vantajoso.

Trata-se, justamente, do entendimento adotado pela Quarta Turma do STJ no julgamento do REsp n. 1.540.153/RS, no qual uma corretora de investimentos foi condenada a indenizar os lucros decorrentes da valorização de ações não percebidos pelo investidor em razão da alienação fraudulenta das ações. No caso concreto, o valor dos títulos foi majorado logo após a concretização da fraude, de modo que o investidor ficou impossibilitado de vendê-los no momento de maior rentabilidade. Desse modo, o investidor perdeu a oportunidade de auferir maior lucro em razão do ato ilícito praticado pela corretora, o que ensejou a respectiva condenação.

Existem, ainda, precedentes específicos que reconhecem a ocorrência de danos morais nas hipóteses em que for verificada a alienação fraudulenta de ações, notoriamente em razão da violação ao dever da instituição financeira de garantir a segurança do patrimônio e dados pessoais do investidor, representando, desse modo, violação à confiança depositada no momento da contratação do serviço.

Não se pode perder de vista, entretanto, o dever do investidor em adotar cautelas no sentido de evitar sua exposição à fraudes e comunicar eventuais inconsistências no sistema às autoridades competentes, porém, caso tal ato ilícito venha a ser concretizado, caberá à corretora o dever de ressarcir os prejuízos provocados.


[1] Disponível em: https://www.b3.com.br/pt_br/noticias/numero-de-investidores-na-b3-cresce-mesmo-em-cenario-de-alta-volatilidade.htm#:~:text=Hoje%2C%20esse%20n%C3%BAmero%20subiu%20para,esse%20percentual%20caiu%20para%2033%25.

[2] Súmula 479 – As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias

Rafael Andrade

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