Sociedade de Propósito Específico em incorporações imobiliárias: breve análise sobre a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
A incorporação imobiliária é caracterizada pela venda de coisa futura, consubstanciada em unidades imobiliárias em construção, com pagamento antecipado de parte do preço de aquisição.
Muitas vezes, a realização de um empreendimento depende do financiamento de investidores, pois raramente os empreendedores imobiliários dispõe todo o capital necessário ou interesse em alavancar isoladamente empreendimentos, atraindo unicamente para si os riscos do negócio.
A incorporação imobiliária busca atender a demanda do mercado, em virtude do aumento de negócios experimentado nos últimos anos, para se estabelecer uma arquitetura que proporcione segurança jurídica aos mais diversos interesses dos mais diversos investidores em empreendimentos imobiliários.
Sob essa perspectiva, a atividade de incorporação imobiliária se estrutura em uma sociedade controladora (holding) que controlará as diversas sociedades de propósito específico – SPE, a serem constituídas cada uma para o desenvolvimento de um projeto. A SPE é, portanto, uma pessoa jurídica constituída com a finalidade única de executar um determinado empreendimento imobiliário, com objeto e prazo de duração pré-determinados, devendo ser constituída sob a forma de sociedade empresária limitada ou sociedade anônima, nos termos do ordenamento jurídico.
No setor imobiliário, formam-se os grupos empresariais de incorporação imobiliária, os quais a controladoria cria uma SPE para cada empreendimento que irá administrar, trazendo maior organização e segurança para o setor, haja vista que essa estrutura permite a redução de riscos de um negócio se contaminar com eventuais problemas operacionais de outros negócios.
Na prática, surge o questionamento para se definir, se em virtude da natureza jurídica de sociedade empresária, as sociedades de propósito específico, com ou sem patrimônio de afetação, podem se beneficiar do regime da recuperação judicial.
Enfrentando um caso concreto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o Recurso Especial n. 1973180 – SP (2021/0358574-2)[1], fixando o precedente de que as SPEs de incorporação imobiliária e que administram patrimônio de afetação, não estão submetidas à recuperação judicial. O entendimento é no sentido de que o regime de incomunicabilidade criado pela Lei de Incorporações é incompatível com o da recuperação judicial e, assim, o patrimônio de afetação não responde por dívidas estranhas ao empreendimento imobiliário.
À vista disso, o Enunciado n. 628, da VIII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal estabelece que “os patrimônios de afetação não se submetem aos efeitos de recuperação judicial da sociedade instituidora e prosseguirão sua atividade com autonomia e incomunicáveis em relação ao seu patrimônio geral, aos demais patrimônios de afetação por ela constituídos e ao plano de recuperação até que extintos, nos termos da legislação respectiva, quando seu resultado patrimonial, positivo ou negativo, será incorporado ao patrimônio geral da sociedade instituidora.”
Por outro lado, as SPEs que não administram patrimônio de afetação somente poderiam se beneficiar do regime da recuperação judicial “desde que não utilizem a consolidação substancial como forma de soerguimento e a incorporadora não tenha sido destituída pelos adquirentes na forma do art. 43, VI, da Lei 4.591/1964”.[2]
[1] (STJ)
[2] RECURSO ESPECIAL Nº 1973180 – SP (2021/0358574-2) (“REsp 1955428 / SP RECURSO ESPECIAL 2021/0255151-5”)