Conteúdo

Artigo - 26 de setembro de 2023

Tributação de encomendas internacionais: Programa Remessa Conforme e a polêmica do “imposto de 92%”.

Os produtos estrangeiros importados que chegam em território nacional estão, em regra, submetidos à tributação pelo imposto sobre importação, de competência da União. O contribuinte, nos termos do art. 22, I, do CTN é, em regra, o importador.

Tal imposto incide sobre o valor aduaneiro da mercadoria, que engloba o valor efetivamente do bem importado, acrescido do valor do frete e do seguro, se houver. As alíquotas do imposto de importação são variadas e complexas, visto que é permitido ao Poder Executivo federal adotar alíquotas seletivas para cada tipo de produto importado.

As corriqueiras compras online feitas por consumidores brasileiros, sobretudo em e-commerces como Shopee, Shein e Aliexpress, normalmente não representam valores expressivos, de modo que a sua tributação está submetida ao Regime de Tributação Simplificada (RTS), previsto no Decreto-Lei n. 1.804/1980.

As operações de produtos até US$3.000,00 (três mil dólares), em regra, submetem-se ao RTS, o qual permite o pagamento do imposto de importação sobre encomendas internacionais destinadas a pessoa física ou jurídica mediante aplicação da alíquota de 60% (sessenta por cento)[1].

Recentemente, o Ministério da Fazenda, por meio da Portaria n. 612/2023, alterou a Portaria n. 156/1999, autorizando a criação do Programa Remessa Conforme, que, em síntese, visa regular, sob o ponto de vista fiscal, as importações de mercadorias estrangeiras submetidas ao Regime de Tributação Simplificada, decorrentes principalmente de grandes empresas de e-commerce, bem como conferir agilidade ao tratamento aduaneiro em relação às compras realizadas em meio eletrônico internacional[2].

A Portaria n. 612/2023 previu a redução a 0% (zero por cento) da alíquota do imposto sobre importação incidente sobre as remessas postais ou encomendas aéreas internacionais no valor de até US$50,00 (cinquenta dólares), destinadas a pessoa física, desde que as empresas remetentes estejam certificadas pela Receita Federal do Brasil por meio do Programa Remessa Conforme, instituído pela Instrução Normativa RFB n. 2146/2023.

Assim, as empresas certificadas firmam contrato com os Correios ou empresas de courier – as quais prestam serviços logístico de entregas de encomendas –, para que sejam fornecidas, antecipadamente, as informações necessárias ao registro da Declaração de Importação de Remessa (DIR), repassando os valores dos impostos cobrados e informações detalhadas sobre a mercadoria importada. Dessa maneira, a fiscalização e a apuração dos tributos são realizadas pela fiscalização aduaneira antes mesmo de o produto chegar ao Brasil, o que conferirá mais agilidade no procedimento fiscal aduaneiro.

Com isso, o Programa Remessa Conforme busca aumentar a fiscalização e coibir possíveis fraudes nessas operações, impondo às empresas certificadas a declaração prévia e fidedigna da mercadoria importada por remessa postal à Receita Federal nas operações de comércio internacional, ainda que se trate de operações de baixo valor.

A novidade tributária é a concessão do benefício fiscal em relação à importação de mercadoria por meio de remessa postal de pessoa jurídica para pessoa física. Até então havia apenas a previsão de isenção de imposto sobre importação entre operações realizadas de pessoa física para pessoa física, também no limite de US$50,00 (cinquenta dólares), conforme disposto no art. 1º, §2º, da Portaria MF n. 159/1999[3].

A limitação da isenção a operações de até US$50,00 (cinquenta dólares), bem como a restrição à operação entre pessoas físicas veiculada pela Portaria MF n. 159/1999 é bastante questionável, visto que tais contingências são impostas por ato infralegal, que restringe o alcance do quanto previsto no art. 2º, II, do Decreto-Lei n. 1.804/1980[4].

Tal dispositivo dispõe expressamente que o limite de isenção do imposto sobre importação é de US$100,00 (cem dólares) – ou o equivalente em outras moedas –, e não prevê como condicionamento à isenção que o remetente seja pessoa física.  Há apenas essa previsão para o importador: este necessariamente deve ser pessoa física para não se submeter à tributação pelo referido imposto. Tal circunstância pode ser discutida judicialmente no âmbito dos Juizados Especiais Federais, em caso de exigência ilegítima do tributo.

Além do imposto de importação, de competência federal, as remessas postais submetidas ao Regime de Tributação Simplificada estão também submetidas ao recolhimento do imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS), de competência dos Estados e Distrito Federal. O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) celebrou o convênio ICMS n. 81/2023, estipulando a incidência de ICMS nessas operações com o mesmo objetivo do governo federal: atingir as compras online de grandes e-commerces.

Ficou convencionada a alíquota de 17% (dezessete por cento) de ICMS incidente sobre as remessas internacionais, para todos os Estados e Distrito Federal. À vista disso, mesmo com a isenção da tributação federal, o Estados e o DF estão autorizados a exigir o ICMS sobre as remessas postais internacionais. A exigência do tributo também será realizada por meio do Programa Remessa Conforme.

Assim, diante das recentes alterações normativas, as hipóteses de tributação sobre remessas internacionais submetidas ao Regime de Tributação Simplificada – isto é, compras de pequeno valor –, são as seguintes:

  • Nas compras realizadas por pessoas físicas de até US$50 (cinquenta dólares) em e-commerces que possuem o certificado do Programa Remessa Conforme não haverá o recolhimento do imposto sobre importação. No entanto, tais operações estarão sujeitas à alíquota de 17% do ICMS;
  • Nas compras realizadas por pessoa física ou jurídica acima de US$50 (cinquenta dólares), haverá o recolhimento do imposto sobre importação sob a alíquota de 60% e do ICMS sob a alíquota de 17%, que será declarado e recolhido pela própria empresa de e-commerce.

A previsão legal da exigência de tais tributos sempre existiu. Não havia até então a mobilização do governo federal para fiscalizar com mais rigor tais operações, conforme se pretende agora com o Programa Remessa Conforme. A tributação ocorria por amostragem, visto que a Receita Federal e os Correios não possuem contingente de pessoal suficiente para fiscalizar as inúmeras encomendas que chegam diariamente do exterior. Agora, a ideia é fiscalizar o máximo possível, tendo em vista o potencial arrecadatório do Programa.

Sem dúvidas, o ônus financeiro da tributação será repassado aos consumidores, em virtude da inescapável repercussão econômica dos tributos. Por essa razão, muito se discutiu, de maneira equivocada, sobre um suposto “imposto de 92%”, surgido das recentes alterações normativas.

Em verdade, trata-se de expressão tecnicamente incorreta, visto que não existe nenhum tributo com alíquota de 92% (noventa e dois por cento). Esse percentual corresponde à carga tributária final do produto importado, em contraste com o valor originário da mercadoria, considerando, especialmente, as peculiaridades do cálculo do ICMS, que faz aumentar a carga tributária.

Saliente-se que esta hipótese somente ocorrerá nos casos em que a mercadoria tiver valor superior a US$50,00 (cinquenta dólares), incidindo tanto o imposto de importação sob a alíquota de 60% (sessenta por cento) quanto o ICMS de 17% (dezessete por cento). Em síntese, o “custo” da tributação seria 92% (noventa e dois por cento) do valor original da mercadoria importada.

Para tornar mais didática a explicação da carga tributária final, tomemos por exemplo uma compra internacional, cujo valor da mercadoria, após a conversão cambial, corresponda a R$1.000,00 (mil reais). Sobre esse valor haverá a incidência da alíquota de 60% (sessenta por cento) do imposto sobre importação, posto que tal valor está acima do limite de R$50,00 (cinquenta dólares) e, portanto, fora de qualquer hipótese de isenção fiscal determinada em regulamento federal. Dessa maneira, o montante do imposto sobre importação será de R$600,00 (seiscentos reais).

O ICMS, também incidente sobre a operação, possui uma metodologia de apuração específica que se chama “cálculo por dentro”. Por essa razão, integrará a base de cálculo do ICMS: o valor da mercadoria, o valor do imposto sobre importação, e o valor do próprio ICMS, pois este tributo incide sobre ele mesmo.

Para encontrar a base de cálculo do ICMS, primeiro, soma-se o valor da mercadoria e o valor do imposto de importação, que totaliza no montante de R$1.600,00 (mil e seiscentos reais). Após, esse valor é dividido por 0,83 – em virtude de a alíquota convencionada ser 17% –, para incluir o ICMS também na sua própria base de cálculo. Assim, chega-se na base de cálculo R$1.927,71 (mil novecentos e vinte e sete reais e setenta e um centavos). Sobre tal base de cálculo, incide a alíquota de 17% (dezessete por cento) do ICMS, que equivale ao montante de R$327,71 (trezentos e vinte e sete reais e setenta e um centavos).

Ao somar o valor do imposto sobre importação e o ICMS, verifica-se que, somente a carga tributária final do presente caso ilustrativo é de R$927,71 (novecentos e vinte e sete reais e setenta e um centavos) a qual, por sua vez, corresponde proporcionalmente a 92,77% (noventa e dois vírgula setenta e sete por cento) do valor da mercadoria (R$1.000,00). Dessa maneira, verifica-se que, embora não exista, sob o ponto de vista legal, imposto com alíquota de 92% (noventa e dois por cento), a carga tributária final corresponde a tal percentual do produto importado, conforme demonstrado.

A Receita Federal do Brasil divulgou que empresas gigantes do mercado internacional, como a Shein e Aliexpress, já solicitaram a certificação no Programa Remessa Conforme[5] para aderir à nova regulamentação. É um indicativo de que outras empresas farão o mesmo, sobretudo em razão do tamanho e relevância do mercado consumidor brasileiro.

Muito embora as alterações indicadas possam repercutir negativamente no valor do preço do produto, o Programa Remessa Conforme promete tornar os trâmites da importação mais céleres, fazendo com que o produto chegue mais rápido ao consumidor-importador, visto que a fiscalização terá início antes mesmo de o produto chegar no Brasil.

[1] Disponível em: Receita Federal do Brasil: Tributação de encomendas internacionais. Acesso em 15 set. 2023.

[2] Disponível em: Remessa Conforme: Empresas já certificadas no programa representam cerca de 67% do volume de remessas enviadas ao país. Acesso em: 15 set. 2023.

[3] Portaria MF n. 159/1999: Art. 156 […] § 2º Os bens que integrem remessa postal internacional no valor de até US$ 50.00 (cinqüenta dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, serão desembaraçados com isenção do Imposto de Importação, desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas.

[4] Decreto-Lei n. 1.804/1980: Art. 2º Art. 2º O Ministério da Fazenda, relativamente ao regime de que trata o art. 1º deste Decreto-Lei, estabelecerá a classificação genérica e fixará as alíquotas especiais a que se refere o § 2º do artigo 1º, bem como poderá: […] II – dispor sobre a isenção do imposto de importação dos bens contidos em remessas de valor até cem dólares norte-americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando destinados a pessoas físicas.

[5] Disponível em : Empresas Certificadas no Programa Remessa Conforme (PRC). Acesso em 15 set. 2023.

Rafael Fernandes

Cadastre-se e receba nosso conteúdo selecionado.