Quando chega o fim: A extinção dos contratos e problemas dela decorrentes
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
Vinícius de Moraes – Soneto de Fidelidade
Para a doutrina jurídica, as hipóteses de extinção dos contratos são classificadas em dois grupos: Aquelas cuja causa nasce junto com o contrato (nulidades ou anulabilidades), e as com causa superveniente à formação do vínculo contratual. Neste segundo grupo encontram-se a extinção natural pelo cumprimento das obrigações, a resilição bilateral ou unilateral, e a resolução por inadimplemento ou sem culpa. Cada uma destas possibilidades, por sua vez, traz múltiplos subtipos e hipóteses próprias.
Em termos práticos, mais relevante do que classificar o modo de extinção de um contrato, é avaliar se há ou não consenso entre as partes sobre o fim do vínculo negocial e acerca do cumprimento das obrigações enquanto este esteve vigente. Ou seja, quais as chances de que o desfazimento da relação contratual implique em litígio.
Neste cenário, merece sempre especial atenção o modo através do qual o contrato trata sua vigência e hipóteses de extinção. Todas as demais cláusulas, em especial a descrição do objeto e das obrigações das partes, o reajuste (nos casos de obrigações de pagar continuada ou parcelada), e a cláusula penal devem ser avaliadas em conjunto com a vigência.
Conforme previsto no Código Civil[1], mesmo nos contratos por prazo indeterminado ou naqueles quem é permitido o desfazimento do vínculo pela simples vontade de uma das partes (resilição unilateral), é possível que tal manifestação de vontade só produza efeitos após o prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos feitos por uma das partes, a fim de conter os abusos do poder econômico[2].
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça registra precedentes sobre a resilição unilateral responsável, ou seja, a imposição, em nosso ordenamento jurídico, da observância da boa-fé até mesmo no momento de desfazimento do pacto. É o que explica o Ministro Luís Felipe Salomão em seu voto no julgamento do REsp nº 1.555.202 – SP:
Com efeito, o que o ordenamento impõe é a resilição unilateral responsável, é a observância da boa-fé até mesmo no momento de desfazimento do pacto, principalmente quando contrário aos interesses de uma das partes. Não se trata, é bom que se diga, da assunção, por uma das partes, dos infortúnios que porventura sejam experimentados pela outra, por quaisquer razões, pela influência de quaisquer elementos. A responsabilidade que se atribui ao contratante que se utilizada da faculdade de romper o pacto diz respeito apenas aos danos experimentados pelo contratante diretamente ligados ao fato de não mais subsistir o que fora avençado, quando as condições da avença apontavam para destino diametralmente diverso.
Ou seja, há permissão para resilição, mas, no entanto, o ordenamento, de forma escorreita, sábia e coerente, da mesma forma que contempla a parte que deseja a resilição, com essa possibilidade, não deixa a outra desamparada.
Diante desta disciplina conferida pela lei e da jurisprudência sobre o tema, é importante que o contrato indique de forma clara (ou menos permita estimar de forma objetiva) os investimentos feitos por cada parte para celebração do vínculo. Ou, em situação oposta, que conste a ausência da realização de investimentos ou a inaplicabilidade, ao caso concreto, da previsão legal contida no artigo 473, parágrafo único, do Código Civil.
Outro relevante tema que envolve a extinção do contrato é a cláusula penal, que geralmente corresponde a um percentual sobre o valor do contrato ou da prestação mensal. Trata-se de previsão que costuma ser projetada apenas como a penalidade a ser paga pela parte que inadimplir uma de suas obrigações.
Além deste notório objetivo, porém, a cláusula penal pode funcionar como a indenização a ser paga pela parte que desfizer o vínculo contratual de forma antecipada, e, em alguns casos, ser incompatível ou insuficiente com os investimentos realizados pela parte inocente no momento da extinção do contrato.
Neste ponto, importante ressaltar que a parte prejudicada com a extinção precoce do vínculo não poderá reclamar prejuízo superior ao valor da cláusula penal, se assim não tiver sido convencionado no contrato[3]. Caso tenha havido esta previsão, a cláusula penal valerá como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.
Logo, a avaliação da adequação de uma cláusula penal ou contrato deve sempre ser feita a partir da projeção de eventuais prejuízos que a cada parte poderá ter com o fim do vínculo, sendo possível, se o caso concreto assim demandar, que haja disciplina específica acerca da extinção contratual e suas consequências.
[1] Artigo 473, parágrafo único, Código Civil.
[2] (Brasil. Novo Código Civil. Exposição de motivos e texto sancionado. 2. ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2005. 340 p., p. 44)
[3] Artigo 416, parágrafo único, Código Civil.