A possibilidade de integralização de capital social com criptomoedas no direito brasileiro
O questionamento surge vez que, como se sabe, as moedas virtuais são emitidas com base em proteção criptográfica condicionada à estrutura do blockchain, que pode ser definido como uma base de dados pública e compartilhada pelos usuários que transacionam nos seus termos. Cada bloco é uma unidade de registro de informações criptografadas, que, para ser validada, conecta-se com um bloco anterior por ordem cronológica formando uma cadeia sequencial de registros armazenadas em rede que não pode ser quebrada. [1]
À vista da segurança garantida pelo processo de verificação e validação das transações pelos mineradores, é dispensada a figura da autoridade monetária e, por conseguinte, as criptomoedas não são reguladas nem supervisionadas por autoridades monetárias de qualquer país.
O primeiro questionamento tem a ver com a determinação da natureza jurídica das criptomoedas. O Banco Central do Brasil já havia emitido comunicados, esclarecendo que as chamadas moedas virtuais não se confundem com a “moeda eletrônica” de que trata a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, (…), porquanto são denominadas em unidade de conta distinta das moedas emitidas por governos soberanos, e não se caracterizam dispositivo ou sistema eletrônico para armazenamento em reais.[2]
A Comissão da Valores Mobiliários (CVM), por sua vez, instada a se manifestar sobre a possibilidade de fundos de investimentos investirem em criptomoedas, adotou a interpretação de que os ativos virtuais não podem ser qualificadas como ativos financeiros, para os efeitos do disposto no artigo 2º, V, da Instrução CVM nº 555/14.[3]
A Receita Federal conceituou criptoativos como a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal.[4]
Um segundo aspecto tratado pela Receita Federal é que as moedas virtuais devem ser declaradas pelo valor de aquisição na Ficha de Bens e Direitos como “Criptoativos”, quando da declaração do imposto de renda, haja vista serem equiparadas a um ativo financeiro.
Seguindo esta linha de raciocínio, o DREI concluiu que as criptomoedas são bens incorpóreos que possuem avaliação pecuniária, são negociáveis, podendo ser usados para investimento, compra de produtos, acessos a serviços, dentre outros.[5]
O entendimento adotado pelo DREI destaca que não existe vedação legal expressa para a integralização de capital social com criptomoedas, ressaltando autorização dada pelo Código Civil, assim como pela Lei n. 6.404/1976, para que o capital social, expresso em moeda corrente, possa ser compreendido por qualquer espécie de bens e direitos suscetíveis de avaliação pecuniária.
Por fim, afirmou também o DREI de que não há formalidade distinta para fins de arquivamento dos atos societários que eventualmente envolvam o uso de criptomoedas, devendo a Junta Comercial estar atenta ao exame do cumprimento das formalidades legais, conforme as regras para integralização de capital com bens móveis.
[1] FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho; COSTA, Henrique Araújo; CARVALHO, Angelo Gamba Prata de (Coord.). Tecnologia jurídica e direito digital: II Congresso Internacional de Direito e Tecnologia – 2018. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 244.
[2] Banco Central do Brasil. COMUNICADO Nº 25.306, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2014.
[3] Comissão de Valores Mobiliários. Ofício Circular nº 1/2018/CVM/SIN Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 2018.
[4] Receita Federal do Brasil. Instrução Normativa nº 1888, de 3 de maio de 2019.
[5] Ministério da Economia. Ofício circular SEI nº 4081/2020 de 1º de dezembro de 2020.