Aspectos Tributários do Perdão de Dívida
É incontroverso que o perdão ou cancelamento de dívida somente terá repercussão tributária federal para o beneficiário pessoa física se corresponder à contraprestação de serviços ao credor (Solução de Consulta nº 70 – Cosit/RFB e art. 47, inciso I, do Regulamento do Imposto de Renda).
Não havendo contraprestação de serviços ao credor da dívida perdoada, afasta-se a incidência do imposto de renda.
Controversa, porém, é a incidência do ITCMD (imposto estadual sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos) sobre o perdão (remissão) da dívida.
A rigor, doação e remissão de dívida são se confundem.
De acordo com o art. 538 do Código Civil: “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra“.
A remissão de dívida é disciplinada pelos artigos 385 a 388 do Código Civil, caracterizando-se como modalidade de extinção das obrigações.
Consoante regra veiculada pelo art. 110 do CTN, a lei tributária “não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias“.
Assim, se a Constituição Federal outorga competência para o Estado instituir imposto sobre “doação”, não pode a lei estadual (nem muito menos a autoridade fiscal) equiparar “remissão de dívida” a “doação” – institutos jurídicos distintos e submetidos a regimes jurídicos diversos – para tributar fatos que não se amoldem ao conceito jurídico de doação (estipulado pelo art. 538 do Código Civil).
Inconstitucional, portanto, a ampliação do aspecto material da regra de incidência do ITCMD, pretendida pelo art. 2ª da Lei baiana n. 4.826/1989: “Para efeito desta Lei considera-se doação qualquer ato ou fato, não oneroso, que importe ou resolva em transmissão de quaisquer bens ou direitos“.
De todo modo, há precedentes judiciais (especialmente no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), reconhecendo a legitimidade da cobrança do ITD (ou ITCMD) sob o fundamento de que se trataria de efetiva doação dissimulada de remissão de dívida (art. 116, parágrafo único, do CTN: A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária).
Não se cogitando de dissimulação, isto é, tratando-se de efetiva remissão de dívida – lastreada pelo anterior contrato de empréstimo e por outros documentos que evidenciem o mútuo e o posterior perdão – insubsistente seria a cobrança de ITCMD sobre tal evento (que, definitivamente, não se confunde com a doação).