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Artigo - 11 de outubro de 2023

Contratação temporária no serviço público: direito à recontratação independente do interstício de 2 anos previsto na Lei 8.745/93.

A despeito do interstício de 2 anos previsto no art. 9º, inciso III, da Lei 8.745/93, após o término do último contrato temporário, os tribunais vêm reconhecendo o direito à recontratação antes do referido prazo, desde que formalizada por um órgão distinto.

A Lei 8.745/93 permite que órgãos da Administração Federal direta, autarquias e fundações públicas realizem a contratação de profissionais por tempo determinado, com o objetivo de atender ao interesse público, em situações excepcionais, nos moldes do inciso IX, do art. 37 da Constituição Federal:

Art. 1º Para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, os órgãos da Administração Federal direta, as autarquias e as fundações públicas poderão efetuar contratação de pessoal por tempo determinado, nas condições e prazos previstos nesta Lei.

Considerando que a gestão administrativa deve ser guiada pela eficiência, com ênfase na prontidão e no desempenho eficaz, sempre com o objetivo de atender ao interesse público, a referida lei possibilita que, em circunstâncias excepcionais como, por exemplo, em casos de calamidade pública, a Administração Pública possa contratar temporariamente profissionais para apoiar os órgãos públicos, garantindo assim a continuidade da satisfação do interesse público, em conformidade com o princípio da eficiência.

No entanto, o presente artigo não recai sobre os aspectos gerais da Lei 8.745/93. O foco está direcionado de maneira específica à análise da previsão contida no art. 9º, Inciso III, da referida lei.

O dispositivo legal em referência estabelece a impossibilidade da Administração Pública recontratar profissionais para cargo temporário, sem que tenha sido respeitado o interstício de 24 meses desde o encerramento de vínculo anterior para cargo temporário:

Art. 9º O pessoal contratado nos termos desta Lei não poderá:

III – ser novamente contratado, com fundamento nesta Lei, antes de decorridos 24 (vinte e quatro) meses do encerramento de seu contrato anterior, salvo nas hipóteses dos incisos I e IX do art. 2 o desta Lei, mediante prévia autorização, conforme determina o art. 5 o desta Lei.

O supracitado dispositivo legal tem sido frequentemente objeto de aplicação inadequada por parte de órgãos da Administração Pública, que têm se recusado a efetuar novas contratações de servidores temporários, com base exclusivamente no fato de não ter sido respeitado o interstício de 24 meses desde o encerramento do contrato anterior.

Todavia, o objetivo da referida previsão legal é impedir a recontratação do servidor, pelo mesmo órgão, com o intuito de obstar a sua perpetuação na função pública em razão de um suposto tratamento privilegiado que lhe possa ser conferido pela Administração.

Esse entendimento resta pacificado nos tribunais, conforme pode ser visto no julgamento do Recurso Especial 1944816, pelo Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL Nº 1944816 – RN (2021/0189153-1) DECISÃO Vistos, etc. Trata-se de recurso especial interposto pela UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN contra acórdão do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO assim ementado: APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PARA PROFESSOR SUBSTITUTO. RESTRIÇÃO IMPOSTA PELA LEI 8.745/93. CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL. CONTRATO EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO DISTINTAS. NÃO APLICAÇÃO DA RESTRIÇÃO DO ART. 9º, III, LEI 8.745/93. DESPROVIMENTO. I – Apelação Cível/Remessa Necessária em face de Sentença proferida nos autos da Ação nº 0802160-42.2019.4.05.8400, em curso na 5ª Vara Federal do Rio Grande do Norte, que julgou Procedente o Pedido para anular o ato que anteriormente impediu a contratação do impetrante, determinando à autoridade coatora que se abstenha de exigir o lapso temporal contido no art. 9º, III, da Lei 8.745/93, contratando o impetrante e lhe assegurando todos os direitos inerentes à função de Professor Substituto para Área de Química. II – A vedação do art. 9º, III, da Lei nº 8.745/93 busca evitar a recontratação do servidor, pelo mesmo órgão, com o intuito de impedir a sua perpetuação na função pública em razão de um suposto tratamento privilegiado que lhe possa ser conferido pela Administração. (…) . IV – No caso dos autos, contudo, o Impetrante/Apelado manteve um vínculo temporário com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN, e pleiteia sua contratação junto à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, ente público diverso, não representando violação ao que decidido na Repercussão Geral RE nº 635.648 do STF. V – Colhe-se que a Sentença recorrida está conforme a orientação do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no sentido da possibilidade de admissão de candidato ao Magistério (Professor Substituto), sem o decurso do prazo de vinte e quatro meses, quando se tratar de Instituições de Ensino distintas, a exemplo do caso em exame. […] (STJ – REsp: 1944816 RN 2021/0189153-1, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Publicação: DJ 16/09/2021)

Além disso, é relevante mencionar que o referido tópico já foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal durante o julgamento do Recurso Extraordinário 1307963/RN, com o Ministro Alexandre de Moraes como relator. Nesse caso específico, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte interpôs um Recurso Extraordinário contra a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

O cerne da controvérsia residiu justamente na possibilidade de admitir um candidato para o cargo de professor substituto sem observar o interstício de 24 meses previsto em lei.

O ministro Alexandre de Moraes entendeu que o artigo 9º, inciso III, da Lei 8.745/93 tem como finalidade impedir a recontratação de servidores pelo mesmo órgão, estabelecendo um período de “quarentena” de 24 meses, sendo que essa proibição não se aplica quando a contratação envolve órgãos diferentes, o que significa que é possível contratar um servidor antes do término do período de 24 meses quando se trata de contratação promovida por instituição distinta:

Verifica-se que o entendimento fixado no Tema 403 é claro quanto à impossibilidade de se concorrer a uma nova vaga para cargo temporário de professor antes do interstício de vinte e quatro meses contados do término do contrato anterior, na mesma instituição de ensino, o que não ocorreu na hipótese destes autos.

Portanto, o art. 9°, III, da Lei 8.745/93 visa impedir a recontratação de servidor para cargo temporário, pelo mesmo órgão, com o intuito de impedir a sua perpetuação na função pública em razão de um suposto tratamento privilegiado que lhe possa ser conferido pela Administração.

Nesse sentido, a interpretação consolidada nos tribunais, que estabelece que a contratação temporária por órgão distinto não constitui renovação do contrato anterior, representa um marco importante na jurisprudência brasileira. Essa interpretação é fundamental por diversas razões.

A proibição de recontratação pelo mesmo órgão por um período de 24 meses desde a última relação contratual busca evitar a perpetuação injustificada de servidores em cargos temporários, prevenindo favorecimentos indevidos. No entanto, essa restrição não deve prejudicar a possibilidade de órgãos distintos da Administração terem acesso a um profissional qualificado, e devidamente aprovado em concurso público, independente da relação anterior com outro órgão, que não possui qualquer ingerência sobre a nova contratação.

Levando isso em consideração, quando ocorre nova contratação por órgão distinto, tal circunstância não pode ser caracterizada como renovação do contrato anterior, sendo possível a contratação temporária desse profissional antes do interstício de 24 meses previsto em lei.

Na prática, isso se torna fundamental não apenas para a Administração Pública ter acesso a um profissional de qualidade, atendendo ao princípio da eficiência, mas também para o próprio profissional que não precisa aguardar o interstício de 24 para participar de um novo concurso para vaga temporária.

Por Alberto Carvalho e Lucas Vitória.

Alberto Carvalho

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