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Artigo - 17 de março de 2021

Contribuições de terceiros e o julgamento de caráter vinculante pelo STJ

Recentemente, a discussão acerca da limitação da base de cálculo das contribuições de terceiros adquiriu destaque nos tribunais superiores.

As contribuições de terceiros são aquelas destinadas às entidades e fundos, destacando-se Sebrae, Senac, Sesc, Senai, Sesi, Sescoop, Incra, Senat, Sest e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE – salário-educação).

Atualmente, as contribuições destinadas a terceiros são cobradas considerando-se como base de cálculo o valor total das remunerações pagas ou creditadas pelas empresas, a qualquer título, aos segurados empregados, sem qualquer limitação.

O objeto da discussão consiste em analisar se o art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 6.950/1981 foi revogado ou não pelo art. 3° do Decreto-Lei n. 2.318/1986.

Para tanto, esclarece-se que o art. 4°, caput, da Lei n. 6.950/1981[1] definiu que a base de cálculo máxima das contribuições previdenciárias deveria ser limitada a 20 (vinte) salários mínimos.

Já o art. 4°, parágrafo único, da referida Lei[2] – objeto de discussão -, definiu que a base de cálculo máxima das contribuições de terceiros deveria ser limitada a 20 (vinte) salários mínimos.

Posteriormente, foi editado o art. 3º do Decreto-Lei 2.318/1986[3] que revogou expressamente a limitação constante no art. 4°, caput, da Lei n. 6.950/1981, o qual trata apenas sobre a contribuição das empresas para a previdência social, em nada versando sobre as contribuições de terceiros.

Por consequência, entende-se que o art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 6.950/1981, que trata sobre o limite de 20 (vinte) salários mínimos para as contribuições de terceiros (destinadas a outras entidades e fundos), permanece vigente, não tendo sido revogado pelo art. 3° do Decreto-Lei n. 2.318/1986.

Tal entendimento decorre do fato de que a revogação, instituto que cessa a existência de determinada lei total ou parcialmente, pode ser expressa (quando uma lei determina especificamente qual a lei revogada)[4] ou tácita (quando a lei revogadora é implícita e resulta na incompatibilidade entre a matéria regulada e as disposições antes vigentes)[5].

Neste caso, a limitação prevista no parágrafo único do art. 4º da Lei n. 6.950/1981 permaneceu inalterada, mantendo-se a base de cálculo das contribuições devidas a outras entidades e fundos (parafiscais) vinculada à observância do limite de 20 (vinte) salários mínimos, pois não se operou nem a revogação expressa e nem a revogação tácita.

Contudo, a União Federal se manifesta de modo diverso e defende que a revogação do art. 4°, caput, da Lei n. 6.950/1981 revoga automaticamente o seu parágrafo único, razão pela qual não se aplicaria a limitação para as contribuições de terceiros, sendo o motivo utilizado pelo fisco para cobrança das contribuições parafiscais considerando como base de cálculo a folha de pagamento das empresas, sem aplicação do limite de 20 (vinte) salários mínimos.

O tema já foi amplamente analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, especialmente pela Primeira Turma da referida Corte Superior, no julgamento do  Recurso Especial n. 953.742/SC, de relatoria do Ministro José Delgado, publicado em 10/03/2008, que se posicionou no sentido de que a base de cálculo das contribuições parafiscais recolhidas por conta de terceiros fica restrita ao limite máximo de 20 (vinte) salários mínimos, nos termos do art. 4°, parágrafo único, da Lei n. 6.950/1981, o qual não foi revogado pelo art. 3° do Decreto-Lei n. 2.318/1986, que versa sobre as contribuições sociais devidas pelo empregador diretamente à Previdência Social.

Desde então, diversas são as decisões monocráticas prolatadas pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça seguindo esta mesma orientação, dentre as quais destacam-se: REsp n. 1.439.511/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 25/06/2014; REsp n. 1241362/SC, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 08/11/2017; e AgInt no REsp n. 1825326/SC, Rel. Min. Regina Helena Costa, DJe 05/08/2020.

Mais recentemente, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça reafirmou o entendimento já consagrado na corte, através do julgamento do AgInt no REsp 1.570.980/SP, estabelecendo que “no que diz respeito às demais contribuições com função parafiscal, fica mantido o limite estabelecido pelo artigo 4º, da Lei no 6.950/1981, e seu parágrafo, já que o Decreto-Lei 2.318/1986 dispunha apenas sobre fontes de custeio da Previdência Social”[6].

Apesar de as decisões prolatadas pelo Superior Tribunal de Justiça serem majoritariamente favoráveis aos contribuintes, ainda não há uma jurisprudência sólida e pacífica a favor deles, pois é reduzido o número de precedentes e nenhum deles foi submetido ao julgamento de natureza vinculante.

Em razão disso, o entendimento adotado pelos Tribunais inferiores acerca do tema passou a divergir bastante, o que implicou num aumento expressivo na quantidade de demandas envolvendo a matéria.

Atento a esta questão, em 18/12/2020, o Superior Tribunal de Justiça afetou o Recurso Especial n. 1.898.532/CE e o Recurso Especial n. 1.905.870/PR à sistemática dos recursos repetitivos, suspendendo o julgamento de todos os processos que versam sobre a matéria e instaurando o tema repetitivo nº 1.079 do STJ para produção de precedente de caráter vinculante sobre o assunto:

Tema repetitivo nº 1.079 do STJ: definir se o limite de 20 (vinte) salários mínimos é aplicável à apuração da base de cálculo de “contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros”, nos termos do art. 4º da Lei n. 6.950/1981, com as alterações promovidas em seu texto pelos arts. 1º e 3º do Decreto-Lei n. 2.318/1986.

Por consequência, a questão será submetida à 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que reúne os ministros da 1ª e da 2ª turmas que analisam temas tributários, cujo julgamento terá natureza vinculante e uniformizará o tratamento da temática em todo o país, resolvendo em definitivo a discussão.

Assim, enquanto estiver pendente o julgamento dos recursos especiais, há elevada possibilidade das autoridades fiscais questionarem a base de cálculo das contribuições de terceiros indicadas pelo contribuinte, na hipótese em que o sujeito passivo, por conta própria e sem o amparo numa decisão judicial, promova o cálculo dessas contribuições considerando a limitação de 20 (vinte) salários mínimos, bem como tente se utilizar de créditos em relação a eventual indébito anterior.

Cabe ao contribuinte avaliar qual a melhor estratégia a ser adotada neste cenário, cabendo considerar a adoção de uma postura mais conservadora, que envolve a propositura de demanda judicial para resguardo dos seus direitos.

Resguardar os interesses através de uma decisão judicial provisória pode ser relevante para dar tranquilidade ao contribuinte, permitindo-lhe apurar e recolher as contribuições de terceiros com base na limitação da base de cálculo das contribuições a 20 (vinte) salários mínimos sem riscos de sofrer atos constritivos pelo fisco federal.

Por fim, com a propositura de demanda judicial, é possível interromper o contagem prazo prescricional quinquenal e, caso o julgamento final do processo seja favorável ao contribuinte, o sujeito passivo poderá compensar ou restituir o indébito referente aos pagamentos indevidos realizados a maior nos 5 (cinco) anos anteriores à data da propositura da ação.

[1] Art. 4º da Lei n. 6.950/1981. O limite máximo do salário-de-contribuição, previsto no art. 5º da Lei nº 6.332, de 18 de maio de 1976, é fixado em valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

[2] Art. 4° da Lei n. 6.950/1981, parágrafo único. O limite a que se refere o presente artigo aplica-se às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.

[3] Art 3º do Decreto-Lei 2.318/1986. Para efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, o salário de contribuição não está sujeito ao limite de vinte vezes o salário mínimo, imposto pelo art. 4º da Lei nº 6.950, de 4 de novembro de 1981.

[4] BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Da existência, validade, vigência e eficácia da lei no sistema brasileiro atual. In Doutrinas Essenciais de Direito Civil. vol. 1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 103 – 116, out. 2010.

[5] Ibidem.

[6] STJ. AgInt no REsp 1570980/SP. Ministro Relator: Napoleão Nunes Maia Filho. Órgão Julgador: Primeira Turma. Data de Publicação: 03/03/2020.

Paula Lima

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