Empresa que elabora o projeto básico ou executivo pode participar da licitação para execução do objeto principal?
Antes da realização de qualquer licitação, é obrigatória a elaboração dos projetos básico e executivo, que nada mais são do que instrumentos através dos quais serão estabelecidos os elementos necessários para a execução de uma obra ou prestação de um serviço.
Esses instrumentos são essenciais, uma vez que partem de estudos técnicos que definem a viabilidade técnica de determinada obra ou serviço a ser contratada, possibilitando a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e prazos de execução.
Via de regra, os projetos básico e executivo podem ser executados pelo próprio órgão público que está promovendo a licitação, através do seu corpo técnico, no entanto, para obras e serviços mais complexos e de valores mais elevados, é imprescindível a realização de uma licitação prévia apenas para a contratação de uma empresa para a execução dos projetos.
Nesses casos, é comum que a empresa que executou o projeto básico tenha interesse em executar também o objeto principal da licitação, sob o argumento de possuir um maior conhecimento técnico e familiaridade sobre a obra ou serviço a ser executado.
No entanto, nem sempre a empresa que executou o projeto básico ou executivo poderá concorrer na licitação referente à execução do objeto principal, uma vez que existe expressa vedação legal prevista no art. 9º, I e II, da Lei 8.666/93, que assim disciplina:
Art. 9o Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:
I – o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica;
II – empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado;
A referida vedação foi mantida na nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/21), sancionada em 01/04/2021, e tem por claro objetivo evitar que empresas, ao participarem da elaboração de projetos básicos e/ou executivos, insiram elementos que direcionem a licitação do objeto principal, incluindo diretrizes ou soluções que lhes permitam beneficiar-se quando da apresentação das propostas, ou que impeçam outras licitantes possivelmente aptas para a execução da obra ou serviço de participar do certame.
Como os órgãos públicos, ao promover uma licitação, devem respeito a princípios, tais quais o da ampla competitividade e isonomia, essa previsão visa acautelar a administração contra eventuais autores do projeto básico que, ao vislumbrarem a possibilidade de participação em uma licitação, incluam no projeto características que restrinjam a ampla competitividade, e que os favoreçam.
Em que pese a referida vedação, o parágrafo primeiro do mesmo artigo traz uma exceção que diz respeito à possibilidade de o autor do projeto básico participar da licitação, mas não na condição de executor direto, e sim como mero consultor, exercendo funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento a serviço do órgão licitante.
A previsão desta exceção sempre trouxe diversas discussões ao longo do tempo, uma vez que mesmo para contratar uma empresa para exercer a função de fiscalização ou supervisão, o órgão público depende da instauração de um procedimento licitatório.
Não raro, inclusive, a licitação que tem por objeto a fiscalização de uma obra ou serviço é mais vantajosa economicamente do que a licitação para elaboração do projeto básico ou executivo, daí porque a necessidade de se ficar atento para a vedação, mesmo que em uma licitação que tenha por objeto a fiscalização de uma obra ou serviço.
Importante registrar, ainda, que o referido dispositivo fala da condição de consultor, ou seja, o autor do projeto básico ou executivo poderá participar da fiscalização de determinada obra ou serviço, mas apenas como auxiliar de fiscalização, e não como contratado direto do serviço de fiscalização.
O Tribunal de Contas da União perfilha do mesmo entendimento, conforme relatado pelo Ministro Benjamin Zymler, no voto condutor do Acórdão nº 1.170/2010-Plenário do TCU, que assim registrou:
“(…) Deve-se nortear a interpretação do dispositivo por um princípio fundamental: existindo vínculos entre o autor do projeto e uma empresa, que reduzam a independência daquele ou permitam uma situação privilegiada para essa, verifica-se o impedimento. Por isso, a vedação aplicar-se-á mesmo quando se configurar outra hipótese não expressamente prevista. Isso se dará em todas as hipóteses em que a empresa estiver subordinada à influência do autor do projeto. Assim se poderá configurar, por exemplo, quando o cônjuge do autor do projeto detiver controle de sociedade interessada em participar da licitação. Em suma, sempre que houver possibilidade de influência sobre a conduta futura da licitante, estará presente uma espécie de “suspeição”, provocando a incidência da vedação contida no dispositivo. A questão será enfrentada segundo o princípio da moralidade. É desnecessário um elenco exaustivo por parte da Lei. O risco de comprometimento da moralidade será suficiente para aplicação da regra”.
Foi justamente pensando nessa problemática, que a nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/21) manteve a exceção, mas deixou a cargo do órgão público decidir pela participação do autor do projeto na execução do objeto principal, além disso, não se referiu à condição de fiscalizador, mas tão somente à condição de apoiador, nos seguintes termos:
Art. 14. Não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente:
I – autor do anteprojeto, do projeto básico ou do projeto executivo, pessoa física ou jurídica, quando a licitação versar sobre obra, serviços ou fornecimento de bens a ele relacionados;
II – empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou do projeto executivo, ou empresa da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, controlador, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto, responsável técnico ou subcontratado, quando a licitação versar sobre obra, serviços ou fornecimento de bens a ela necessários;
[…]
§2º A critério da Administração e exclusivamente a seu serviço, o autor dos projetos e a empresa a que se referem os incisos I e II do caput deste artigo poderão participar no apoio das atividades de planejamento da contratação, de execução da licitação ou de gestão do contrato, desde que sob supervisão exclusiva de agentes públicos do órgão ou entidade.
Em virtude do exposto, conclui-se que é vedada a participação do autor do projeto básico ou executivo, na licitação relativa ao objeto principal, excetuadas aquelas situações em que o autor do projeto básico figure na condição de mero apoiador dos trabalhos a serem desenvolvidos, cabendo ao licitante ficar atento a tais situações para se insurgir contra eventuais irregularidade identificadas no decorrer do procedimento licitatório.