Indébito tributário e a tributação da atualização monetária
A propositura de demandas de repetição de indébito tributário são frequentes no cotidiano jurídico. Uma vez restituído o crédito indevidamente recolhido pelo contribuinte, exsurge dúvidas sobre como tributar a “receita nova” auferida, composta pela soma do indébito propriamente dito e da atualização monetária.
Em relação aos valores restituídos referentes aos tributos pagos a maior, estes serão tributados pelo IRPJ e pela CSLL somente se, em períodos anteriores, tiverem sido computados como despesas dedutíveis do lucro real e da base de cálculo da CSLL. Essa é a interpretação extraível do art. 53 da Lei nº 9.430/1996, reproduzido na relevante Solução de Divergência COSIT n. 19/2003.
Sinteticamente, conclui a Solução de Divergência COSIT n. 19/2003 o seguinte:
“(…) pela atual disciplina legal dos impostos e contribuições federais, o indébito restituído somente poderá ser considerado valor tributável pelo IRPJ e CSLL, quando apurados segundo as normas de regência do lucro real, já que, nessa modalidade, as despesas com pagamento de outros impostos e contribuições podem reduzir o resultado tributável. Há assim que ser investigado se o valor restituído fora anteriormente reconhecido ou não como despesa dedutível no cálculo do lucro real e da base de cálculo da CSLL, para, então, concluirmos se o valor do indébito restituído sofrerá ou não a incidência do IRPJ e da CSLL.”
Ainda sobre os valores restituídos a título de tributos indevidamente recolhidos, a Solução de Divergência n. 19/2003[1] também esclarece que tal montante não sofrerá a incidência do PIS e da COFINS, sob o mesmo fundamento da não sujeição de tais valores à tributação pelo IRPJ e CSLL, nos termos do art. 53, da Lei n. 9.430/1996[2]: o montante indevidamente pago pelo contribuinte e objeto de restituição, no período referência para a apuração do indébito, não influenciou a base de cálculo tributável do PIS/COFINS.
Superado o ponto sobre a incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre os valores pagos a maior e restituídos ao contribuinte, referentes exclusivamente ao montante efetivo do indébito, há de ser analisada a tributação sobre a parcela reembolsada pelo Fisco atinente à atualização monetária.
Em virtude da legislação de regência do PIS e da COFINS, que estabelecem como base de cálculo o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil, a parcela de atualização monetária restituída é tributada pelas aludidas contribuições.
Isso porque os valores referentes à atualização monetária são considerados, seja pela Receita Federal como pela jurisprudência dos tribunais superiores, como receitas financeiras, compondo o faturamento mensal da pessoa jurídica e, portanto, sujeita à tributação de PIS e da COFINS.
No entanto, a pacificidade da tributação pelo PIS e COFINS do valor de atualização monetária nas hipóteses de repetição de indébito não é verificada em relação ao IRPJ e CSLL. Há grande divergência interpretativa sobre a caracterização ou não do montante da atualização monetária como acréscimo patrimonial do contribuinte.
É cediço que a correção monetária visa tão somente preservar o poder de compra da moeda, assim como os juros moratórios objetivam ressarcir o contribuinte que teve a indisponibilidade de parte de seu capital temporariamente tolhida para adimplir tributos que, ao final de um processo judicial, foram parcialmente declarados indevidos pelo Poder Judiciário.
Nesse sentido, os valores decorrentes da aplicação da taxa SELIC (a qual engloba juros e correção monetária) aos tributos pagos pelo contribuinte e que foram reconhecidos como indevidos em ação judicial, não se configuram como acréscimo patrimonial, mas sim mera recomposição de patrimônio. Logo, não se caracterizam como base de cálculo do IRPJ e da CSLL, nos termos dos arts. 153, III, e 195, I, “c”, ambos da Constituição Federal.
Evidentemente que a posição da Receita Federal é divergente. Para a RFB, os valores recebidos pelo contribuinte, referentes a juros moratórios e atualização monetária incidentes sobre o montante do indébito tributário restituído, caracterizam-se como ingresso novo, devendo incidir IRPJ e CSLL sobre tal parcela.
A discussão, como não poderia deixar de ser, chegou no Poder Judiciário. Atualmente, o Recurso Extraordinário n. 1.063.187/SC, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, está aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal. Foi reconhecida a repercussão geral do recurso, no qual se discute exatamente a incidência IRPJ e da CSLL sobre os valores recebidos pelo contribuinte pela aplicação da taxa Selic quando da repetição do indébito tributário. Deverá o STF, quando do julgamento do recurso, fixar a tese sobre a caracterização ou não da atualização monetária como acréscimo patrimonial/renda para efeitos de tributação.
O entendimento jurisprudencial que tem prevalecido – até a apreciação da questão pelo STF – é desfavorável para o contribuinte.
Em maio de 2013, o Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial n. 1.138.695/SC, entendendo que (i) os juros incidentes na devolução dos depósitos judiciais têm natureza remuneratória e não escapam à tributação pelo IRPJ e pela CSLL, pois compõem a esfera de disponibilidade patrimonial do contribuinte; e (ii) os juros incidentes na repetição do indébito tributário, não obstante a constatação de se tratarem de juros moratórios, encontram-se dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa.
Em razão de tal precedente jurisprudencial, submetido ao rito do julgamento dos recursos repetitivos, atualmente o STJ e demais tribunais inferiores entendem que os valores decorrentes da aplicação da taxa Selic recebidos pela pessoa jurídica, seja em razão da repetição de indébito, seja em razão do levantamento dos depósitos judiciais, estão sujeitos à tributação do IRPJ e da CSLL.
Os processos sobre o tema que têm chegado ao Superior Tribunal de Justiça, em razão da repercussão geral da matéria já reconhecida pelo STF, têm sido sobrestados até a conclusão do julgamento pela Corte Suprema, o que indica uma possível alteração do entendimento hodierno do STJ[3].
O futuro julgamento da questão pelo STF torna possível uma mudança no entendimento desfavorável até então adotado pelo STJ, havendo amplo terreno para a discussão judicial acerca da incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores recebidos a título de atualização monetária em virtude da repetição do indébito tributário.
[1] “11. Não obstante as legislações pertinentes à Contribuição para o PIS/Pasep e à Cofins sejam omissas em relação ao caso em tela, não se pode fugir da lógica contemplada pelo comando do art. 53 da Lei nº 9.430, de 1996, ou seja, não há que se falar em incidência da Cofins e da Contribuição para o PIS/Pasep sobre os valores recuperados a título de tributo pago a maior, já que tais valores, no período em que foram reconhecidos como despesas, não influenciaram a base tributável dessas contribuições”. […] 14. Destarte, o valor restituído a título dum tributo pago indevidamente se constituirá em valor tributável por outro tributo apenas se, anteriormente, tiver sido computado como despesa dedutível da base de cálculo desse último, seja qual for o fundamento para a repetição do indébito daquele”.
[2] Lei n. 9.430/1996, Art. 53. Os valores recuperados, correspondentes a custos e despesas, inclusive com perdas no recebimento de créditos, deverão ser adicionados ao lucro presumido ou arbitrado para determinação do imposto de renda, salvo se o contribuinte comprovar não os ter deduzido em período anterior no qual tenha se submetido ao regime de tributação com base no lucro real ou que se refiram a período no qual tenha se submetido ao regime de tributação com base no lucro presumido ou arbitrado.
[3] Assim como ocorreu, por exemplo, com a discussão sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.