Medidas coercitivas em cobranças judiciais: Seis anos após, o que dizem os Tribunais?
Por Theonio Freitas e Rafael Andrade
Uma das novidades mais aguardadas no Novo CPC parece não ter cumprido o objetivo de revolucionar a cobrança judicial de créditos.
Uma das novidades mais comentadas e celebradas no novo Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 2016, foi a possibilidade de adoção de medidas coercitivas na cobrança judicial de débitos (Art. 139, IV[1]), como, por exemplo, a apreensão da carteira de habilitação e passaporte do devedor, inscrição em cadastros de proteção ao crédito, e bloqueio de cartões de crédito.
O objetivo sempre esteve muito claro: Conferir celeridade e efetividade ao processo judicial, garantir a autoridade do Poder Judiciário, e reduzir a quantidade de processos que tramitam por anos sem qualquer desfecho positivo ao credor. Passados quase seis anos desde as novidades legislativas, permanece a noção geral de que as execuções judiciais não tiveram ganho significativo de efetividade e celeridade, permanecendo próximas (ou idênticas) da realidade anterior ao novo CPC.
Diante deste cenário, cumpre analisar como a jurisprudência sobre este tema se desenvolveu de 2016 até o presente momento.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça[2], ficou consolidado que o manejo de tais medidas estará condicionado à observância de requisitos específicos, não sendo possível a aplicação indiscriminada de medidas executivas, ainda que destinadas à garantia de eficácia da execução. As medidas coercitivas, portanto, devem ser manejadas de maneira proporcional às circunstâncias do caso.
Conforme ressaltado pela Min. Nancy Andrighi, “a adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário”, isto é, quando os meios convencionais não se mostrarem suficientes para satisfazer a pretensão do credor. Neste contexto, a decisão que determinar a medida executiva deverá ser fundamentada com base nos elementos específicos do caso, a fim de garantir a proporcionalidade do ato, bem como deverá ser assegurado ao executado o exercício do contraditório.
Em idêntico sentido, no julgamento do RHC 97.876, a Quarta Turma do STJ entendeu pela possibilidade de suspensão da CNH do devedor quando demonstrada a ineficácia dos meios executivos tradicionais, mediante decisão fundamentada do juiz da execução e proferida em observância ao contraditório.
Os precedentes do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, acompanhando a jurisprudência do STJ, reconhecem o cabimento das medidas executivas atípicas apenas nas hipóteses em que sejam proporcionais às circunstâncias e após o exaurimento dos meios convencionais de execução.
Em outros Tribunais, é possível encontrar julgados que rejeitam medidas como a apreensão de documentos por atingirem os devedores e não o seu patrimônio, sendo assim ineficazes ao cumprimento da obrigação[3]. À luz destes entendimentos, ferramentas de coerção desta natureza não seriam cabíveis sequer em caráter subsidiário (quando esgotados os meios tradicionais de execução).
Observa-se, portanto, que jurisprudência a respeito dos meios atípicos de execução ainda possui divergências importantes, enquanto o entendimento majoritário repousa em conceitos abertos como razoabilidade e proporcionalidade. A recorrente referência ao esgotamento dos meios tradicionais de execução também carece de maior precisão, não sendo certo quais etapas devem ser ultrapassadas até que as medidas atípicas possam ser autorizadas.
A cautela observada nos tribunais no deferimento destas medidas, assim como a exigência de manifestação prévia do devedor (contraditório) é pertinente, especialmente quando considerados os princípios da menor onerosidade ao devedor e direitos fundamentais, inclusive de matriz constitucional.
Por outro lado, nota-se que os meios atípicos de execução não cumpriram a esperada missão de revolucionar a cobrança judicial de créditos. Ainda há algum caminho a ser percorrido até que a utilização destas ferramentas e os critérios objetivos que as autorizam sejam amplamente conhecidos e uniformizados entre os tribunais.
Esta experiência confirma que uma verdadeira transformação na celeridade e efetividade dos processos não virá apenas das normas de natureza processual, e seguirá dependendo de mudanças estruturais como o saneamento de acervo nas serventias judiciais e implementação de soluções de tecnologia que confiram agilidade à tramitação (especialmente para os atos meramente burocráticos).
Em paralelo, soluções como a desjudicialização da execução civil (Projeto de Lei Projeto de Lei n° 6204, de 2019) também podem contribuir de forma significativa para a satisfação dos créditos e, por consequência, ao fomento de novos negócios no Brasil.
[1] O art. 139, IV do CPC prevê a possibilidade do juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
Em idêntico sentido, conforme art. 536, § 1º, CPC, “para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial”.
[2] REsp 1.864.190
[3] Vide, por exemplo, TJ-GO – AI: 04581990920188090000, Relator: FAUSTO MOREIRA DINIZ, Data de Julgamento: 16/04/2019, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 16/04/2019 e o TJRES – Agravo de Instrumento, Nº 70082389347, Décima Terceira Câmara Cível, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em: 26-09-2019