Novo arcabouço fiscal: repercussões tributárias para o contribuinte
O governo federal apresentou ao Congresso Nacional proposta de novas regras fiscais que objetivam conduzir a política econômica brasileira nos próximos anos. Tal proposta foi denominada pelo Poder Executivo como “Novo Arcabouço Fiscal”, e está consolidada no Projeto de Lei Complementar (PLP) n. 93/2023, cuja votação pelo Congresso está prevista para a segunda quinzena de maio.
O PLP n. 93/2023 contém disposições que visam substituir regras fiscais impostas pelo “Teto de Gastos” vigente desde 2016, aprovado pela Emenda Constitucional n. 95/2016. O chamado “Teto de Gastos” limita o crescimento das despesas federais às despesas do ano anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA.
O regramento fiscal proposto pelo governo federal ambiciona estabelecer regras fiscais mais maleáveis, a fim de compatibilizar o orçamento federal com as políticas sociais e de investimento público e a responsabilidade fiscal. Em síntese, a premissa primordial do novo arcabouço fiscal é atrelar a possibilidade de crescimento das despesas públicas com a evolução das receitas.
A conexão entre despesas e receitas ocorrerá, inicialmente, da seguinte forma: o crescimento anual da despesa será limitado a 70% (setenta por cento) da variação da receita verificada nos últimos 12 (doze) meses, observando o limite mínimo de crescimento de despesa em 0,6% a.a. (seis décimos por cento ao ano), e o limite máximo de 2,5% a.a. (dois inteiros e cinco décimos por cento ao ano).
O projeto prevê, ainda, mecanismos de contingência dos gastos públicos caso o governo federal não consiga cumprir as metas fixadas no novo arcabouço fiscal, hipótese em que os gastos, ao invés de limitados à 70% (setenta por cento) da variação da receita, ficarão limitados a 50% (cinquenta por cento).
Embora o PLP n. 93/2023 não estabeleça regras propriamente tributárias, são nítidos os reflexos tributários do novo arcabouço fiscal, na medida em que a meta do governo federal, além de equalizar as contas públicas, mantendo a responsabilidade fiscal, é de gerar superávit primário, isto é, resultado positivo das contas públicas em virtude de arrecadação maior do que as despesas.
O atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em diversas declarações públicas sinalizou que será necessário expressivo incremento de receita da União, na ordem de 110 a 150 bilhões de reais, para viabilizar as novas regras fiscais estabelecidas no PLP n. 93/2023. Assim, a ambição do governo federal, paralelamente ao ajuste fiscal proposto, é de aumentar a receita, inclusive com a majoração de tributos.
Porém, essa não é uma meta fácil de ser alcançada. Afinal, a carga tributária bruta (CTB) do Governo Geral, isto é, incluindo a tributação da União, Estados e Municípios, chega ao patamar de 33,71% (trinta e três vírgula sete um por cento) do PIB. Logo, medidas eminentemente arrecadatórias podem trazer efeitos indesejados, como o desincentivo aos investimentos privados e, consequentemente, a redução do crescimento econômico do país.
Uma das medidas orquestradas pelo governo federal no âmbito tributário de maior impacto para os contribuintes, surgido a partir do contexto arrecadatório do novo arcabouço fiscal, é a tributação de benefícios fiscais de ICMS concedidos pelos Estados e Distrito Federal, pelo IRPJ e CSLL.
O tema é complexo e é objeto de discussões administrativas e judiciais, ainda sem conclusão definitiva. O governo federal sustenta a tributação dos benefícios fiscais de ICMS pelo IRPJ e da CSLL, de modo que os benefícios fiscais concedidos não gerem perda arrecadatória significativa aos cofres públicos federais.
Em recente decisão, o STJ julgou o tema de maneira favorável à União, definindo como regra a tributação dos benefícios fiscais de ICMS pelo IRPJ e CSLL, com exceção das hipóteses em que o contribuinte beneficiário cumpra os requisitos dispostos no art. 30 da Lei n. 12.973/2014: a implantação ou expansão de empreendimentos econômicos; que o benefício fiscal seja registrado como “reserva de lucro” e utilizado apenas para absorção do prejuízo ou incorporação ao capital social; bem como que a parcela do “lucro” formada pelos benefícios fiscais não seja distribuídos para pagamento de dividendos, dentre outros requisitos.
A tese jurídica firmada pelo STJ atende aos anseios arrecadatórios da União, acentuados em virtude da necessidade de recomposição das contas públicas impulsionada pelo novo arcabouço fiscal.
Além da tributação dos benefícios fiscais de ICMS, outras movimentações foram tomadas pelo governo federal para tonificar o aumento de receitas dos cofres públicos, como a tributação do mercado de apostas e de e-commerces internacionais.
É nítido o esforço do governo federal para compatibilizar as políticas públicas sociais com a responsabilidade fiscal, que deverá ser observada por todo gestor público. Não obstante, a pretensão arrecadatória, com vistas a equilibrar as contas públicas, não pode onerar excessivamente o contribuinte.
Enfim, diante do potencial panorama fiscal que será estabelecido, caso o novo arcabouço fiscal seja aprovado pelo Congresso Nacional, deverá o contribuinte estar atento para os impactos econômicos decorrentes das ações arrecadatórias federais, sobretudo se tais medidas forem efetivadas de maneira ilegítima, com a ofensa aos relevantes princípios jurídicos do não confisco, da legalidade, da segurança jurídica e da razoabilidade, constantemente desafiados no Brasil.