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Artigo - 6 de abril de 2021

O que o contrato diz sobre uma empresa?

Os contratos empresariais podem guardar funções que ultrapassam os limites das ciências jurídicas. É o que debatemos neste artigo.

 

A doutrina jurídica preconiza que o contrato existe para fazer lei entre as partes, estabelecendo direitos e deveres que refletem a vontade dos contratantes. Também é consenso que os contratos existem para dar segurança às relações, favorecendo a pacificação dos conflitos e circulação de riquezas.

As tradicionais e inquestionáveis funções dos contratos, porém, não excluem outras finalidades e efeitos atrelados a utilização dos instrumentos contratuais, que transcendem os limites da ciência jurídica.

O branding, para os estudiosos da comunicação visual, é definido como uma ferramenta de gestão da marca, por meio da qual é possível analisar a percepção dos clientes e consumidores sobre o seu desempenho, cumprindo funções como o reforço à boa reputação, estímulo à lealdade e garantia de qualidade. Neste contexto, todos os pontos de contato entre a marca e seus stakeholders merecem especial atenção para que não se perca o padrão e linguagem propostas inicialmente[1].

Os pontos de contato, na definição de Alina Wheeler, incluem todos os veículos capazes de comunicar a marca, como mídias sociais, site, e-mails, papel timbrado, e apresentações[2]. Parece evidente, portanto, que o contrato também pode ser considerado um ponto de contato, seja no seu aspecto visual, seja no seu conteúdo.

No aspecto visual, a formatação e apresentação do texto contratual frequentemente funcionam como indicadores precisos dos níveis de profissionalismo e organização de uma sociedade empresária. A pouca (ou nenhuma) atenção dada à construção de um contrato visualmente adequado e ordenado pode guardar relação com o modo com que a empresa conduz a sua própria atividade fim, servindo de alerta aos interessados na celebração do negócio.

O conteúdo das cláusulas, de igual modo, deve ser coerente com o discurso apresentado em publicidades, propostas, ou veiculado verbalmente por aqueles que representam a empresa. Do contrário, atrai-se novamente a imagem de pouca organização interna ou, em casos piores, de pouca lealdade no trato comercial.

O conteúdo do contrato também pode, muitas vezes, comunicar aspectos interessantes a respeito da identidade de uma empresa. O que é relevante para determinada organização empresarial costuma receber especial tutela contratual, revelando quais obrigações são prioridade no negócio e conduzindo as partes ao seu cumprimento, além de efetivar políticas de compliance.

Os exemplos de como os contratos podem influenciar na relação com o cliente e terceiros são muitos. Seguem abaixo três deles:

  • Contrato notoriamente leonino, repleto de cláusulas abusivas ou com grandes possibilidades de questionamento em âmbito judicial, utilizado por empresa que pauta o seu discurso na lealdade e relação de parceria com seus clientes;
  • Contrato elaborado de forma inconsistente, ignorando as disposições legais mais básicas que regulam a atividade exercida, utilizado por empresa que aponta a experiência e qualidade técnica como diferenciais;
  • Contrato com disposições extensas e linguagem rebuscada, utilizado por empresa que se apresenta como arrojada e inovadora.

Situações como as ilustradas acima podem não se apresentar em toda extensão do contrato, mas apenas parte dele. Ainda assim, a depender do caso, efeitos negativos já podem decorrer deste ruído entre o documento apresentado e as demais informações veiculadas, sob qualquer canal, pela empresa e seus representantes.

Tal risco não se limita ao mercado de consumo (bussiness-to-consumer). Nos contratos empresariais paritários (business-to-business), a utilização de instrumento contratual inadequado pode expor fragilidades da empresa, prejudicar ou inviabilizar negociações e gerar conflitos no curso do cumprimento do contrato.

Vale relembrar que as propostas comerciais podem ser vinculantes e compõem a formação dos contratos, sendo tais documentos igualmente relevantes para as questões destacadas acima.

A premissa básica da teoria do design contratual, segundo Robert E. Scott e George G. Triantis[3] é que o emprego de maiores esforços na etapa inicial da contratação (“front-end”), incluindo, evidentemente, a negociação e elaboração do instrumento, resulta em menores custos na etapa final de execução ou discussão judicial do contrato (“back-end”), motivando uma melhor performance do que foi ajustado entre as partes. O desenvolvimento estratégico e planejado de um instrumento contratual, portanto, não deve ser colocado como mero detalhe no exercício de atividades empresariais.

E se em outros a produção de contratos estava intrinsecamente restrita aos limites da linguagem jurídica, resultando em instrumentos por vezes ininteligíveis às próprias partes, o cenário hoje é completamente diverso. A interdisciplinaridade na concepção dos contratos, utilização de recursos visuais (visual law), e as múltiplas alternativas de celebração do negócio através de recursos de tecnologia reafirmam a importância da reflexão sobre o tema e despontam como um convite para um novo olhar sobre os contratos, suas possibilidades e suas funções.

[1] BARROS, Ana Cláudia dos. Branding: processo e projeto de identidade da marca. 2019. 599 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Design) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2019

[2] WHEELER, Alina. Design de Identidade da Marca: guia essencial para toda a equipe de gestão de

marcas. Porto Alegre: Bookman, 2012, in BARROS, op. cit.

[3] SCOTT, Robert E., TRIANTIS, George G., PRINCIPLES OF CONTRACT DESIGN, Yale Law Journal, Vol. 115, 2005-06. Disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=722263

Theonio Freitas

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